segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Naamã

Ao examinarmos a história de Naamã, o leproso, começamos analisando o seu estado. "Naamã, capitão do exército… da Síria, era um grande homem… porém leproso". Apesar de suas vitórias passadas e das suas honras presentes, ele tinha um problema escondido que não ficaria oculto por muito tempo. Se não fosse tratado, aquele mal acabaria por destruí-lo. Você se identifica com Naamã? Hoje tudo pode estar ao seu favor. Você se formou na melhor universidade, tem uma boa família e construiu uma igreja ou um negócio, ou atingiu o topo da sua carreira. Mas antes que você consiga se qualificar para uma bênção maior, Deus o obrigará a lidar com a situação que está oculta em baixo da sua armadura. Pessoas proeminentes em todas as ocupações passam por isso, principalmente as espirituais. É isto que as separa das demais. É isto que as conduz a atravessar a ponte que vai do medíocre ao excepcional. Sem obstáculos, seremos sempre pessoas comuns! Não estamos falando de problemas pequenos. Estamos falando de problemas tão avassaladores que você não consegue dormir; coisas que dão nó no estômago e que fazem o seu coração perder o ritmo das batidas e que o fazem temer "é isto que vai me matar!" É o motivo pelo qual você ora em segredo. É aquilo que você não quer que as pessoas vejam. Portanto, como Naamã, você coloca a sua couraça, depois vai para casa e sofre por causa da sua situação. Entenda isso: Deus ensina algumas das Suas maiores lições nos vales da vida. É ali que você aprende a ficar prostrado diante Dele, chorando e quebrantado. É ali que você ora: "Deus, não deixes isso me destruir. Trata com isto através do poder do Teu Espírito". E eis as boas novas: este tipo de oração realmente traz libertação.
Naamã tinha um problema; um problema singular. Relembrando esta mesma história, Jesus disse: "Havia muitos leprosos em Israel nos dias do profeta Eliseu, e nenhum deles foi purificado exceto Naamã..." (Lucas 4:27 NKJV). É mais fácil crer em Deus para algo que você O viu fazer antes. Mas Naamã não apenas tinha lepra, como ninguém que ele conhecia jamais havia sido curado dela. Você está sendo testado hoje por causa de uma situação singular em sua vida, no seu casamento ou na sua carreira? Você tem medo de falar sobre isso porque não conhece ninguém que um dia tenha superado esse problema em particular? Se for assim, pare de se concentrar no problema e comece a se concentrar em Deus! Para início de conversa, Ele não precisa de nada para solucionar o seu problema. Lembre-se, em Gênesis Ele pendurou a terra sobre o nada, e ela continua girando todos os dias! A Bíblia diz que Naamã foi um "grande… homem", mas Deus estava prestes a torná-lo um homem ainda maior. Sempre que Ele faz isso, permite que entremos em situações difíceis onde não existem soluções humanas. Quando quer que tenhamos uma grande influência, Ele permite que enfrentemos grandes desafios. É assim que Ele nos transforma de pessoas que impressionam em pessoas verdadeiramente excepcionais. Mas quando Ele fizer isso, tome cuidado. Uma das primeiras perguntas que as pessoas vão fazer é: "Como você fez isto?" Elas vão começar a admirar a sua posição e a sua armadura, quando o tempo todo foi a sua aflição que o levou a cair de joelhos e permitiu que Deus fizesse de você a pessoa que você se tornou. Antes de poder ser excepcional, você precisa trabalhar para desenvolver a fé que crê em Deus para fazer o impossível, e confiar no que Ele diz independente das probabilidades.
Quando Deus lhe der uma resposta, não discuta nem racionalize. Apenas faça o que Ele disser – e você sairá limpo. O orgulho de Naamã quase lhe custou a vida. Quando ele saiu da casa de Eliseu, estava zangado porque Eliseu não havia saído para falar com ele pessoalmente. Em vez disso, enviou um mensageiro para lhe dizer para mergulhar sete vezes no lamacento Rio Jordão. "Não existem rios mais limpos?" perguntou Naamã, sentindo-se insultado. A esta altura, o servo de Naamã disse: "Se o profeta houvesse lhe dito para fazer alguma coisa difícil, você a teria feito. Não vale a pena obedecer a ele para viver?" (v. 13). Hoje Deus está lhe fazendo a mesma pergunta. Não vale a pena se humilhar para sair limpo? Confessar o seu pecado, compartilhar a sua história e pedir ajuda?  Não permita que preocupar-se com a reputação impeça-o de encontrar a solução. Não permita que o diabo o atraia para outros rios que não têm poder para salvar. Tudo que você precisa é o tipo de fé que implica em parecer tolo por algum tempo. Este é o tipo de fé que mantém você dependente de Deus quando parece que todo mundo está se saindo melhor do que você. Vá em frente, mergulhe no rio da graça de Deus, e continue mergulhando! Embora você tenha sido insultado, embora os seus sentimentos estejam feridos, embora o processo não pareça fazer sentido, embora você tenha chegado ao fim da linha e queira desistir, continue mergulhando. Aja com base na Palavra que Deus lhe deu! Os milagres são para os obedientes, não para os que apenas desejam recebê-los.

Enviado por Bianca Santos

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Livros para adultos

NÃO HÁ necessidade de se preocupar com pessoas brincalhonas que tentam ridicularizar a esperança que os cristãos depositam no “Céu” dizendo que elas não querem “passar a eternidade dedilhando harpas”. A resposta a esse tipo de gente é que, se elas não conseguem entender livros escritos para adultos, não deveriam ficar falando sobre eles. Toda a simbologia bíblica (harpas, coroas, ouro etc.) não passa, claro, de uma tentativa simbólica de expressar o inexprimível. Os instrumentos musicais são mencionados porque para muitas pessoas (nem todas) são na vida presente o que melhor reflete e sugere o entusiasmo e o infinito. As coroas são mencionadas para sugerir que todos os que se encontram unidos a Deus na eternidade compartilham do seu esplendor, poder e alegria. O ouro é mencionado para sugerir a eternidade (ouro não enferruja) e a preciosidade do Céu. As pessoas que entendem esses símbolos literalmente podem achar que, quando Cristo nos disse para sermos como pombas, ele pediu que botássemos ovos.


– de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

Retirada de Um Ano com C. S. Lewis (Editora Ultimato, 2005).

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Enfim, convidados a entrar...

PODE até parecer cruel demais descrever a glória como o fato de ser “notado” por Deus. Mas é essa praticamente a linguagem usada no Novo Testamento. O apóstolo Paulo promete àqueles que amam a Deus não, como poderíamos supor, que eles virão a conhecê-lo, mas que eles acabem sendo conhecidos por Deus (1 Co 8.3) . Essa é uma promessa muito estranha. Deus não sabe tudo o tempo todo? Contudo isso parece temível em uma outra passagem do Novo Testamento. Nela nós somos advertidos de que todos nós acabaremos comparecendo diante da face de Deus somente para ouvir as espantosas palavras: “Eu nunca o conheci. Afaste-se de mim” [Mt 7.23]. Em algum sentido, que é tão obscuro para o intelecto quanto é insuportável para os sentimentos, é possível que aconteçam ambas as coisas: que sejamos banidos da presença daquele que está presente em todos os lugares e apagados da memória daquele que conhece todas as coisas. Pode ser que fiquemos completa e absolutamente de fora – repelidos, exilados, feitos estrangeiros, e final e inexplicavelmente ignorados. Por outro lado, é possível que sejamos convidados a entrar, recebamos as boas-vindas, sejamos bem recebidos e reconhecidos. Caminhamos diariamente sobre o fio da navalha entre essas duas possibilidades incríveis. Aparentemente, então, a nossa nostalgia de toda uma vida, o desejo de sermos reunificados com alguma coisa no universo da qual nos sentimos cortados hoje, e de estar do lado de dentro de alguma porta para a qual ficamos sempre olhando do lado de fora, não é nenhuma fantasia neurótica; pelo contrário, é o indício mais verdadeiro da nossa situação real. E sermos finalmente convidados a entrar significaria tanto honra e glória que ultrapassam todos os nossos méritos quanto a cura daquela boa e velha saudade.

– de The Weight of Glory [Peso de Glória]

1963 Lewis morre às 17h30min., nos Kilns, uma semana antes de completar 65 anos. Seu corpo está enterrado no pátio da Holy Trinity Church, em Headington Quarry, Oxford.

Mire o Céu

A ESPERANÇA pertence às virtudes teológicas. Isso significa que olhar constantemente para frente, rumo ao mundo eterno, não é nenhuma forma de escapismo (como pensam alguns modernos) ou de desejos reprimidos, e sim algo que se espera que um cristão faça. Isso não significa que devamos deixar o mundo presente do jeito que está. Se você levar em conta a história, descobrirá que os cristãos que mais fizeram pelo mundo presente foram exatamente aqueles que mais pensavam no que há por vir. Os próprios apóstolos, que deram o pontapé inicial à conversação com o Império Romano, os grandes homens que construíram a Idade Média, os evangélicos ingleses que lutaram pela abolição da escravatura, todos eles deixaram as suas marcas nesta terra exatamente porque as suas mentes estavam ocupadas com os Céus. Foi exatamente quando os cristãos pararam de pensar no outro mundo que eles se tornaram tão pouco efetivos neste. Mire o Céu e terá a Terra por “acréscimo”; mire a Terra e não terá nenhuma das duas coisas. Essa me parece uma regra estranha, mas algo parecido pode entrar em ação quando se trata de outros assuntos. A saúde é uma grande bênção, mas no momento em que você torna a saúde um dos seus principais objetivos diretos, começará a se tornar um excêntrico, imaginando que haverá algo de errado. Você só terá chance de ter saúde se desejar também outras coisas – comida, jogos, trabalho, diversão, ar puro. Da mesma forma, nunca teremos chance de salvar a civilização enquanto ela for o nosso principal objeto. Temos que aprender a desejar outras coisas muito mais.

– de Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]

Retirada de Um Ano com C. S. Lewis (Editora Ultimato, 2005).

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Ufanismos, messianismos e outras mentiras

Ricardo Gondin
O tempo tudo destrói. O vento da história cobre todas as coisas de poeira. Impérios, outrora avassaladores, hoje entediam alunos secundaristas, que só precisam conhecê-los para passar de ano. Napoleão, o temido imperador francês, virou nome de cachorro. Na mitologia, Kronos, o deus do tempo, inclemente, devorava seus filhos.
O escritor português Vergílio Ferreira percebeu que muitos tratados são escritos sobre a infância, juventude e idade adulta. E em todos se “fala de ir” -- ir para o futuro. Desejos, sonhos e ambições impulsionam a vida. Mas para qual futuro? Vergílio Ferreira conclui que esse tal “ir” é rumar para a velhice; “velhice é estar”. De fato, velhice é a idade em que passamos o restante da vida. E, existencialmente, não há muita opção: ou se morre cedo, como um Camelot, ou se enfrenta a decrepitude dos senis.
Embora não seja oficialmente idoso -- ainda faltam alguns anos --, eu começo a me preparar para os derradeiros anos. Não quero viver os próximos anos de minha vida como meros sobejos dos bons tempos que já vivi. Reafirmo que ninguém é velho enquanto estiver disposto a aprender. Eu quero me manter flexível na madureza. Sei que nada sei.
Sobretudo, quero aprender a despojar-me de falsas onipotências. Já confiei em minha capacidade de ordenar a vida. Imaginava que verdades e princípios me blindariam contra decepções, tristezas e contrapés existenciais. Porém, como disse Chico Buarque, veio a Roda Viva e carregou o destino pra lá. Padeci desnecessariamente porque superestimei a minha capacidade de anular contingências existenciais.
Acreditei na mensagem religiosa que prometia engrenar o cotidiano, garantindo vitória sobre vitória. Esforcei-me o quanto pude para tornar a obediência capaz de livrar-me de tribulações. Eu buscava a excelência como chave para o dia-a-dia encapsulado na mais pura felicidade. Depois de vários tombos, inúmeras bobagens, enormes desapontamentos e grandes decepções, acordei. A vida não se deixa encabrestar. Vi que nunca havia conseguido adequar-me ao superego exigente que carregava dentro de mim. Eu me contemplava em espelhos distorcidos. A imagem que enxergava sempre foi maior do que eu mesmo. A juventude engana, mas a meia-idade esvazia os delirantes de seus devaneios.
Devido à minha onipotência, idealizei auditórios. Acreditei que a minha oratória seria capaz de arrebatar multidões. As longas horas em que preparei sermões representavam uma capacitação especial para ser uma extensão concreta e real do poder de Deus. Eu não admitia a minha ineficácia em converter, transformar, santificar. Confundi talentos naturais com “eleição”; minha habilidade com a oratória me inebriava. Mas, enquanto meus cabelos pratearam, dei-me conta que muitos meninos e meninas de nossa comunidade haviam desistido da fé. Minha eloquência não se mostrara tão infalível quanto eu supunha.
Muitas culpas nascem da falsa onipotência. Por me sentir com a responsabilidade de carregar o mundo nas costas, raramente me permitia vivenciar atividades que não redundassem no avanço da missão. Lazer, só para recompor, manter o vigor, e voltar a trabalhar. Poesia, nem pensar; poesia não ajuda a argumentar. Contente, acostumei-me a encaixar passeios em viagens missionárias. Considerava o convite para falar em uma conferência uma boa ocasião para tirar férias.
O simples correr dos anos bastou para minar tantos ufanismos juvenis. Aprendi a cantar com Almir Sater: “Ando devagar porque já tive pressa/ E levo esse sorriso/porque já chorei demais/ Hoje me sinto mais forte,/ mais feliz quem sabe/ Eu só levo a certeza de que/ muito pouco eu sei, eu nada sei”.
Pretendo seguir o restante da jornada, despretensiosamente. Sem arroubos, oferecer minhas frágeis intuições. Espero aprender como “mais me gloriar nas fraquezas” e poder repetir o apóstolo Paulo: “Porque, quando sou fraco, então é que sou forte” (2Co 12.10).
Começo a reconhecer limites e a dar de ombros ao imperativo religioso de superar a humanidade. Não sou angelical. Já não me considero um conquistador de utopias. Mantenho as utopias, mas as tenho como meras alavancas de minhas iniciativas. Não me considero apto a concretizá-las.
As minhas despedidas foram trágicas, meus lutos, inconsoláveis e minhas decepções, amargas. Aceito que a vida é frágil. Sei que não sou autossuficiente. No reconhecimento de minha debilidade, reaprendo a ser grato; gratidão nasce de uma memória que não é soberba. Sou agradecido por todos os que já me ajudaram; todos encarnaram o amor de Deus e eu quero mantê-los na lista das bênçãos recebidas.
O tempo que tudo desgasta, paradoxalmente, aviva a pergunta do profeta Miqueias, a que eu me antecipo a responder sim: “Ele te declarou, ó homem, o que é bom, e que é o que o Senhor pede de ti, senão que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus?” (Mq 6.8).

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Creio na comunhão dos santos -- A relevância primordial da igreja

Para um bom número de cristãos da atualidade, a igreja vem se tornando um conceito sem sentido. Muitos acreditam que é perfeitamente possível ser um cristão autêntico sem estar formalmente ligado a uma comunidade de fé, sem ter um compromisso de lealdade a um grupo específico de fiéis. A proliferação de cultos pela televisão contribui para isso. Uma pessoa ou uma família assiste ao evento eletrônico e acha que isso é suficiente, que já satisfez suas necessidades espirituais. Outros, por terem um entendimento igualmente pobre acerca da igreja, pululam de um grupo para outro, sempre em busca de novidades, sem estabelecerem laços estáveis e significativos com nenhum deles.
No entanto, quando se olha para a história do cristianismo, verifica-se que durante muitos séculos os cristãos valorizaram imensamente a igreja. De fato, essa atitude de apreciação surge com os primeiros seguidores de Cristo, nos dias apostólicos. O Novo Testamento está repleto de alusões à “igreja”, muitas delas reveladoras do alto conceito que os primeiros crentes tinham sobre essa realidade fundamental, ainda que nem sempre fácil de definir. Em épocas mais recentes, todavia, tem se perdido esse consenso que existiu por tanto tempo sobre a importância primordial da igreja. Parte disso se deve à confusão reinante sobre a natureza e os propósitos desse valioso elemento da herança cristã.

Visível e invisível

Se historicamente tem predominado um consenso sobre a relevância da igreja, isso não significa que haja concordância quanto ao seu significado. Tradicionalmente, a teologia cristã tem entendido que a igreja pode ser apreciada desde duas perspectivas distintas: uma exterior, palpável e visível; outra interior, espiritual e invisível. As tradições católica romana e ortodoxa grega têm dado maior ênfase ao primeiro aspecto; as confissões protestantes, ao segundo. No entanto, corretamente entendidas e relacionadas, as duas dimensões são importantes e necessárias.
O primeiro aspecto diz respeito à natureza essencial da igreja, que é espiritual, apontando para o relacionamento concreto, porém misterioso e transcendente, entre o Salvador e os que a ele estão unidos pela fé. Cristo, em sua graciosa obra de reconciliação, é a pedra fundamental da igreja. A segunda perspectiva nos fala dos elementos estruturais e organizacionais da igreja, com seus líderes, cerimônias e locais de culto. O Novo Testamento dá clara prioridade ao primeiro aspecto, em especial por meio do riquíssimo conceito do “corpo de Cristo”. No entanto, fica claro que a igreja não poderia existir concretamente no mundo, na sociedade humana, sem elementos externos que dessem expressão às realidades internas. A questão é como se estabelece o adequado equilíbrio entre as duas dimensões.

Ministros e fiéis

Uma discussão paralela que atravessa os séculos é sobre onde está localizada primariamente a igreja: no clero, a classe ministerial, ou nos fiéis, o povo cristão. Novamente, o peso da evidência do cristianismo apostólico pende para a comunidade de fé como a principal definidora da igreja. Como afirma Roger Olson, um historiador da teologia, “a igreja é o povo de Deus, fundada pelo próprio Cristo para ser a comunidade do Espírito e a antecipação do seu reino futuro”. É óbvio que o ministério ordenado é importante: o próprio Senhor concedeu à sua igreja “apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres”. No entanto, esses líderes não são em si mesmos a igreja -- eles fazem parte da igreja ao lado dos demais fiéis, devendo exercer os seus ofícios para a edificação do corpo de Cristo.
O Credo Apostólico é um testemunho valioso sobre o sentido mais profundo dessa realidade quando, após referir-se ao Espírito e à Igreja, menciona a “comunhão dos santos” como um artigo fundamental da fé. A “communio sanctorum” -- o vínculo de convicções compartilhadas, solidariedade e amor que caracteriza os verdadeiros cristãos -- só pode ser produzida pelo Espírito Santo e se constitui na expressão mais sublime e profunda do que é a igreja. Apontam nessa direção as principais metáforas aplicadas pelo Novo Testamento à comunidade cristã, tais como família, rebanho e edifício de Deus.

Marcas distintivas

O Credo “Niceno”, formulado pelo Concílio de Constantinopla no ano 381, atribuiu à igreja quatro famosos qualificativos: una, santa, católica e apostólica. Em seu sentido mais pleno, ou seja, espiritual, há somente uma verdadeira igreja, o corpo místico de Cristo, a comunhão de todos os que nele creem em todo o mundo. Essa comunhão, embora se expresse em formas exteriores, ao mesmo tempo as transcende. A igreja é santa, isto é, separada para Deus a fim de ser o lugar de sua habitação na terra. Essa santidade se expressa não somente na conduta ética, mas também por seu foco espiritual em Deus e unicamente nele.
A catolicidade da igreja significa que ela existe acima das barreiras de etnia, nacionalidade e cultura. Confissões particulares, organizações e congregações locais são manifestações da igreja universal, mas nunca a própria igreja. Seu valor está no serviço a Cristo como parcelas do seu corpo mais amplo. Por fim, a igreja é apostólica, ou seja, está em continuidade com a fé e a experiência dos apóstolos de Jesus Cristo, e só se faz presente quando o evangelho proclamado pelos apóstolos é preservado e pregado com integridade.
Seguindo o pensamento de João Calvino, a tradição reformada fala das “marcas” pelas quais a igreja visível pode ser reconhecida como verdadeira. Elas não simplesmente descrevem a igreja ou apontam para ela, mas possuem um caráter mais dinâmico, constitutivo. A verdadeira igreja está presente quando nela, em primeiro lugar, ocorre a legítima pregação da Palavra. A fidelidade e submissão à Escritura é uma característica essencial da igreja. A outra marca distintiva e fundamental é a correta administração dos sacramentos claramente instituídos por Cristo, que são o batismo e a Ceia do Senhor, testemunhos valiosos da sua salvação.

 
Conclusão

A despeito de toda a ênfase dada aos aspectos espirituais e interiores da igreja, não se deve desprezar ou subestimar a sua dimensão visível e estrutural, indispensável na vida em sociedade. Extremamente informal nos seus primeiros tempos (como era de se esperar), o cristianismo assumiu crescente complexidade institucional ao longo dos séculos. Existe um lugar legítimo para o desenvolvimento histórico na vida da igreja, visto que a história humana não é estática, mas dinâmica. Sem um ministério qualificado e reconhecido, sem atividades formais de culto e formação cristã, sem o exercício legítimo da autoridade e da disciplina, entre outros fatores, a igreja simplesmente não poderia existir neste mundo.
Todavia, tendo dito isto, é imprescindível acrescentar que as formas e expressões exteriores da igreja, quaisquer que sejam, somente são legítimas na medida em que manifestam com fidelidade a natureza espiritual da comunidade cristã, o seu compromisso primordial com Cristo e sua palavra, a comunhão de fé e amor entre os discípulos do Senhor. Que os cristãos aprendam a valorizar a igreja, aquela que, no dizer dos reformadores do século 16, é nossa “mãe e mestra”, pois nos gera espiritualmente pelo anúncio do evangelho e nos alimenta e conduz pelos caminhos de Deus ao longo da vida, até a consumação.

Alderi de Souza Matos