quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Restauração... uma história

A história da restauração é mais longa do que a história da civilização. Ela começa na eternidade e termina na eternidade. Embora normalmente a medicação de qualquer doença seja posterior ao diagnóstico, no caso da restauração do gênero humano e da própria criação, a solução do problema do pecado foi arquitetada antes mesmo da entrada do pecado no mundo. Quem afirma isso são dois homens de muito peso na história da igreja. Em sua carta aos Efésios, Paulo declara: “Muito antes que ele [Deus] estabelecesse os fundamentos da terra, ele já pensava em nós e nos escolheu como alvo do seu amor, para nos fazer completos e santos [para nos restaurar] por meio desse amor” (Ef 1.4). Pedro, por sua vez, afirma: “Vocês foram libertados [restaurados] pelo precioso sangue de Cristo, que era como um cordeiro sem defeito nem mancha. Ele foi escolhido por Deus antes da criação do mundo e foi revelado nestes últimos tempos em benefício de vocês” (1Pe 1.19-20).

“A história da restauração continua no Éden”, logo após a queda do ser humano. Deus faz ouvir a sua voz, declara guerra entre a serpente (que representa o Maligno) e a mulher (que representa a humanidade) e acrescenta que a descendência da mulher (uma referência clara a Jesus) esmagaria a cabeça da serpente, e esta feriria o calcanhar do descendente da mulher (uma referência clara à crucificação de Jesus). A restauração viria por meio de Jesus Cristo. Isso justifica a expressão usada por João Batista para apresentar publicamente o Senhor Jesus: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1.29).

“A história da restauração continua na história do dilúvio” (um evento registrado não só no Antigo Testamento, mas também na memória coletiva de alguns povos primitivos). Porque todo mundo só pratica o mal, porque a terra está cheia de pecado e violência, porque a vida se tornou impossível sobre a face da terra, Deus resolve restaurar a terra, eliminando toda aquela geração por meio de uma enchente de proporções gigantescas (a água subiu sete metros acima das mais altas montanhas). Com os oito únicos sobreviventes (a família de Noé), há um novo princípio e uma nova história (Gn 6.1--9.29).

“A história da restauração continua com a chamada de Abraão”. Esse homem, casado com uma mulher estéril, deixa pai, mãe e sua terra natal e sai “sem saber para onde ir” (Hb 11.8). Outra vez, Deus resolve começar tudo de novo. Por meio daquele homem, o Senhor iria formar uma nação que teria princípios de conduta diferentes e uma fé diferente. Seria um povo que cultuaria e serviria o Deus original, o Deus que havia criado os céus e a terra e tudo o que neles existe, o Deus puríssimo, sapientíssimo, amantíssimo, graciosíssimo, misericordiosíssimo, justíssimo e terribilíssimo. Mas não em benefício próprio. Esse povo deveria ser o instrumento por meio do qual todas as outras nações conheceriam o Senhor e seriam conduzidas a ele, no tempo e no espaço. Desse povo originaram-se as Escrituras Sagradas e no meio dele o Filho de Deus tornou-se também o Filho do Homem.

“A história da restauração continua e atinge um dos seus ápices maiores quando uma jovem fica grávida sem ter relações com homem algum” (Lc 1.26-38) e quando, ao dar à luz a criança, um anjo do Senhor aparece no céu de Belém e proclama: “Estou aqui a fim de trazer uma boa notícia para vocês, e ela será motivo de grande alegria também para todo o povo! Hoje mesmo, na cidade de Davi, nasceu o Salvador [o Restaurador] de vocês -- o Messias, o Senhor!” (Lc 2.9-11). Em nenhuma época anterior, a história da restauração foi tão viva, tão visível, tão gloriosa e tão emocionante! Pois foi nesse espaço de tempo que Jesus tomou sobre si toda a nossa sujeira e culpa, purgando-as na cruz. Foi nesse espaço de tempo que o véu que separava o ser humano de Deus se rasgou por completo (Mt 27.51).

“A longa e bem-sucedida história da restauração continua com o Pentecostes”, quando o Espírito Santo vem para ficar, quando o Israel de Deus passa a ser a Igreja e começa a reunir judeus e não judeus, quando a Igreja é encarregada de pregar as boas novas tanto aqui como ali, tanto a judeus como a gentios, tanto ao pobre como ao rico, tanto ao homem como à mulher, tanto ao doutor como ao analfabeto -- até que o Senhor volte.

A longa e bem-sucedida história da restauração só vai terminar quando Jesus voltar, quando os mortos ressuscitarem, quando os vivos forem transformados, quando os céus e a terra que agora existem forem destruídos pelo fogo, quando a antiga serpente, a morte e o mundo dos mortos forem lançados no lago de fogo e enxofre e quando começarmos a usufruir dos novos céus e da nova terra!

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Deus dá nós recebemos

[Vocês] receberam uma fé tão preciosa como a nossa. (2Pe 1.1b)
A fé salvadora não é uma conquista meritória, fácil ou humana. Ela não nasce aqui: ela vem de cima. Não é um prêmio: é uma graça. O pecador não planta nem colhe a fé salvadora: ele a recebe de presente. Não é o ser humano que levanta a sua mão para apanhar a fé salvadora: é Deus que abaixa a sua mão para entregar a fé salvadora. “A salvação não é o resultado dos esforços de vocês” (Ef 2.9). Pela graça de Deus é que somos salvos, por meio da fé. A graça de Deus gera tanto a fé salvadora quanto a salvação. O máximo que podemos fazer é desejar, suplicar e estender as mãos em forma de concha para que a bondade de nosso Deus a coloque ali.
É assim que Pedro inicia a sua Segunda Carta: “Eu, Simão Pedro, servo e apóstolo de Jesus Cristo, escrevo esta carta para vocês que, por causa da bondade do nosso Deus e Salvador Jesus Cristo, receberam uma fé tão preciosa como a nossa” (2Pe 1.1).
Na soteriologia cristã, o verbo receber tem supremacia sobre o verbo apanhar, como a palavra fé tem supremacia sobre a palavra obras. Jesus veio para o seu próprio povo, mas os seus não o receberam. Salvaram-se aqueles que creram nele e o receberam (Jo 1.11-12). João Batista acertou em cheio quando declarou: “Ninguém pode ter alguma coisa se ela não for dada por Deus” (Jo 3.27). E a maior de todas as dádivas de Deus é o seu próprio Filho: “Porque Deus amou o mundo tanto, que deu o seu único Filho, para que todo aquele que nele crer não morra, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16).
— O presente não se compra: recebe-se!

Sem Exceções

No que diz respeito aos meus próprios pecados, é bastante segura (ainda que incerta) a aposta de que minhas desculpas não são tão boas quanto eu imagino.
No que diz respeito aos pecados dos outros contra mim, é seguro (ainda que incerto) apostar que suas desculpas são melhores do que eu imagino.
Por isso temos de começar por prestar atenção a tudo que possa mostrar que o outro não merece tanta censura quanto nós achávamos. Mas, mesmo se ele for absolutamente culpado, continuamos tendo de perdoá-lo; e ainda que noventa e nove por cento da sua aparente culpa possa ser explicada por desculpas realmente convincentes, o problema do perdão começa com aquele um por cento de culpa que ainda resta. Desculpar o que pode realmente ter uma boa desculpa não é caridade cristã, é apenas justiça. Ser cristão significa perdoar o indesculpável, porque Deus perdoou o indesculpável em você.
Isso é duro. Talvez não seja tão duro quanto perdoar uma única grande injúria. Mas como seríamos capazes de perdoar as persistentes provocações do cotidiano (continuar perdoando a sogra mandona, o marido tirano, a esposa implicante, a filha egoísta e o filho salafrário)? Só mesmo, acredito eu, colocando-nos em nosso lugar, acreditando no que dizemos todas as noites em nossas orações: “Perdoa os nossos pecados, assim como nós perdoamos os nossos devedores”. O perdão não nos é oferecido em nenhum outro termo. Recusá-lo significa recusar a graça de Deus para nós mesmos. Não há indícios de exceções, e Deus sabe bem o que está falando.

Falsidade

No passado apareceram falsos profetas no meio do povo, e assim também vão aparecer falsos mestres entre vocês. (2Pe 2.1a)
Além de constante, a falsidade é uma presença embaraçosa, incômoda e aborrecida. O pior é que além de profetas falsos, há irmãos falsos, testemunhas falsas, apóstolos falsos, pastores falsos e até falsos cristos. Se isso ainda não fosse o bastante, há lábios falsos, línguas falsas, palavras falsas, escrituras falsas, visão falsa, motivos falsos, nomes falsos, acusações falsas, notícias falsas, amor falso, juramento falso, elogios falsos, amigos falsos e até humildade falsa. É um oceano de falsidades!
Para agravar a situação, o falso parece autêntico, o lobo parece a vovozinha, o amargo parece doce, o feio parece bonito, o fedido parece cheiroso, a treva parece luz, o inimigo parece amigo, o adversário parece um anjo de luz.
Essa confusão toda me obriga a tomar algumas providências. Tenho que conhecer a diferença entre o falso e o verdadeiro. Tenho que ser ora desconfiado ora não, tenho que ser ora maldoso ora não, tenho que ser ora cético ora não. Não devo errar, não posso errar. Nem de um lado nem de outro. Não posso ser astuto como as serpentes o tempo todo nem simples como as pombas o tempo todo. Há tempo para tudo!
Nesse oceano de falsidades, para cometer acertos e não cometer desacertos, preciso de discernimento. Para obter sabedoria para tanto, preciso ser humilde suplicante como Salomão: “Dá-me sabedoria para que eu possa… saber a diferença entre o bem e o mal” (1Rs 3.9).
— Só Deus pode me mostrar a diferença entre os que servem e os que não servem!

quarta-feira, 11 de junho de 2014

20 anos de contentamento

Quanto é necessário para se sentir pleno, realizado? O que preciso para viver contente? Por que vivo num estado crônico de descontentamento? O salário está sempre aquém das minhas necessidades, o corpo sempre está em desacordo com o que quero, e por aí vai. Porém, a pergunta que sempre faço e que não encontro resposta é: Qual o limite? Quanto é necessário para estar contente?


Sou incapaz de lidar com o sucesso e o fracasso, com as conquistas e derrotas. Não compreendo o significado da espera, o valor da frustração. Tenho grande dificuldade de me ajustar às mudanças, principalmente quando elas me colocam, mesmo que temporariamente, em situações difíceis.



A ansiedade sempre foi um grande obstáculo ao meu contentamento. Tal dificuldade encontra-se presa nas memórias do meu passado e nas incertezas do futuro. Enquanto me debato com o passado e o futuro, o presente é dominado pela ansiedade.


De tempos em tempos, desacelero. Paro. Respiro fundo. Busco com olhar contemplativo sentir toda bondade de Deus derramada sobre mim. Nessas horas as lembranças de algumas pessoas eclodem em minha mente e entre as principais está a senhora Marisa, minha eterna namorada.

Hoje 11 de junho de 2014 celebramos 20 anos de namoro. Ainda me lembro do seu beijo, da noite fria, da cor do seu vestido, dos cachos de seus cabelos, do semblante de menina e da intensa emoção que senti naquela noite que me deixou plenamente contente e realizado.

Sempre nesta data tão especial, percebo o quão bem você me fez e ainda me faz e faz parte de tudo o que preciso para viver contente e satisfeito.


Te amo!

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Uma viagem pra dentro de si mesmo

Janeiro é um mês de férias, ao menos, para a maioria. No calendário escolar o ano letivo ainda não se iniciou. Portanto, é tempo de aproveitar.
Como, em nossos dias, aproveitamos bem o tempo? Que significado isso traz? O que se entende por férias? Inquietos e supostamente pensantes, não queremos mais perguntas, queremos é sossego. Pois bem, e o que faz sossegar nossa alma? Ops, escapou…
Essas férias de janeiro, em geral, as famílias, amigos pensam em viajar. Viajar pode ser uma grande aventura, pode ser divertido, pode ser tanta coisa. Parece que em nosso tempo de exibicionismos sem fim, o que vale é você mostrar para onde foi, postar fotos lindas, onde se tenta convencer o outro que você realmente está aproveitando a vida. Ali a intensidade lhe pede licença, os sorrisos ainda são tímidos perto de tudo o que está sentindo e desfrutando, e se você imprimir a boa imagem de um sujeito relaxado e de bem com a vida, se dá por satisfeito por uns instantes.
Estranho, mas aumenta a sensação de que as férias tem se tornado uma grande competição onde os que se sentem atrás, perdendo, forçam ou inventam histórias e criam montagens para também poder esnobar como vitoriosos.
Frei Betto assim coloca: “Por que a ambição de uma viagem ao exterior não se reflete também no desejo de viajar para dentro de si mesmo? Mundo desconhecido, esse que trazemos no espírito. Recolher-se ao silêncio interior é sempre um excelente ponto de partida. Para quem nunca fez essa viagem, a partida assusta, porque não nos é dado o roteiro, e a passagem exterior tenta-nos a abandonar o trem. Se controlarmos ‘a louca da casa’, a imaginação, logo o silêncio interior se faz voz. Então, somos apresentados ao nosso verdadeiro eu”. Ou, em outras palavras mais sucintas, Pascal já dizia: “A causa única da infelicidade do homem está no fato de ele não saber ficar tranquilo em seu quarto”.
Não sou contra viagens, ao contrário, tento apreciá-las melhor cada vez que embarco numa, por mais simples que possa ser. Viajar nos enriquece, ao menos, potencialmente, em termos de cultura. E você não precisa sair do país para isso, aliás, nem mesmo de seu estado, e, às vezes, nem se quer da cidade onde reside.
Viagens, sem dúvida, podem ser um excelente investimento, podem nos acrescentar conhecimentos, belezas, novas referências, e muito mais. Viagens podem ser curtas, singelas, mas valiosas. Elas podem nos marcar positivamente, nos unir, nos ajudar a sair da rotina e ter um descanso diferenciado. Entretanto, por que desprezar, ignorar, ou mesmo, fugir da viagem para dentro? Por que evitar tanto a quietude, o silêncio? É sábio esquivar-se de autoconhecimento, poupar a ampliação da consciência de quem se é? Fernando Pessoa, num de seus versos, faz uma triste constatação: “não sou para mim mais que um vizinho”.
Nem todos menosprezam, evitam ou fogem desesperadamente dos encontros mais profundos consigo mesmo, nem necessariamente, ignoram viagens para dentro de si. Alguns são estimulados através da meditação, de terapias, ou de leituras preciosas. São caminhos diferentes, recursos variados, mas, para mim, nada nos conduz melhor e mais profundamente a isso do que o evangelho de Jesus Cristo.
Discípulos peregrinos no processo aprendem a silenciar-se mais, ouvir melhor. Dedicam-se mais atenciosamente ao que acontece nele e ao seu redor. Interações com a sociedade e com o Reino de Deus. Aprofundam compreensões, sobretudo, vivências. Experimentam uma vida que passa a ser abundante, não porque lhe sobram coisas, tempo, não porque não haja faltas, mas, porque a referência é outra, vem de dentro, de quem lhe habita.
Se a leitura é um recurso importante nas viagens para dentro, a leitura da Bíblia é primordial. A leitura pode ser um instrumento bastante útil na transformação e organização da vida. A leitura bíblica pode ser regeneradora por se tratar de uma palavra-semente viva. A leitura pode ir muito além do que um lazer passivo, trazer sentidos, valores, compreensões que contribuem para novas leituras da realidade, com implicações sociais significativas. A leitura bíblica pode converter nosso coração a Deus, e consequentemente ao próximo, e isso, concomitante ao conhecimento do nosso próprio coração, em sua fragilidade e vulnerabilidades, tesouros e marcas.
Aproveitar a vida, o tempo, as viagens pode ter tudo a ver com a disposição para leitura, ainda mais, com o compromisso saboroso da leitura das Escrituras Sagradas.