terça-feira, 28 de setembro de 2010

O pai primeiro

Portanto, sejam imitadores de Deus, como filhos amados. Efésios 5.1

O Sermão do Monte traz três princípios gerais de conduta que nosso Senhor apresenta.
O primeiro princípio é imitar o Pai. A conduta dos filhos deve retratar sua família. Em outras palavras, Jesus está querendo dizer: "Sejam santos, porque eu sou santo" (1Pe 1.16) — e dizendo-o em termos familiares.
O segundo princípio é glorificar o Pai. “Assim brilhe a luz de vocês diante dos homens, para que vejam as suas boas obras e glorifiquem ao Pai de vocês, que está nos céus” (Mateus 5.16). Os cristãos devem se comportar em público de modo a trazer glória ao seu Pai que está no céu.
O terceiro princípio é agradar o Pai. Em Mateus 6.1-18, Jesus enfatiza a necessidade de viver com o único objetivo de agradar a Deus. O propósito da promessa de recompensa feita pelo Senhor (6.4, 6, 18) não é nos fazer pensar em termos de retribuição, mas simplesmente nos lembrar de que o nosso Pai celestial nota e tem especial prazer quando concentramos nossos esforços em agradar somente a ele.
Para escrever: Releia trechos do Sermão do Monte (Mateus 5 a 7) e anote como você poderia se sentir desafiado a imitar, glorificar e agradar o Pai.

Retirada de O Conhecimento de Deus ao Longo do Ano (Editora Ultimato, 2008).

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Inveja

“Ciúme é querer manter o que se tem; cobiça é querer o que não se tem; inveja é querer que o outro não tenha.” (Zuenir Ventura)
Diferentemente da ira ou da gula, a inveja é uma condição emocional sorrateira. Ela queima como fogo de palha, por baixo, sem fumaça.
A ira produz erupções violentas; a gula compromete nosso manequim; a preguiça faz nosso chefe reclamar; a luxúria nos afasta até da família mais liberal; mas a inveja dificilmente aparece, pois o comportamento de um invejoso não difere muito do de um crítico, de um ressentido, de um coração magoado.
Nenhuma dessas condições é, propriamente, inveja. Porém, esta pode estar “orquestrando” a todas aquelas, por trás. Ela pode até mesmo produzir elogios e dar presentes. Este foi o caso de Saul, em relação a Davi. O rei entregou ao rapaz um comando em seu exército e lhe ofereceu a mão de sua filha em casamento -- na esperança de fazê-lo “ir a óbito” (1Sm 18.5-29).
Como não sabe criar, o diabo distorce. Então, para produzir a inveja, ele corrompeu a admiração, transformando-a no segundo pecado mais daninho que o ser humano já provou. Admirar é a capacidade de se deixar impactar pelo excepcional, pelo espantoso, de uma forma generosa, abnegada e contente.
Diz-se que a inveja só perde para o orgulho em poder de destruição, em poder de potencializar o que há de pior no ser humano. A inveja é o maestro de nossos outros pecados. E corta para os dois lados: o do invejado e o do invejoso. A inveja é potencialmente homicida e suicida ao mesmo tempo. Esse potencial raramente atinge seu clímax, revelando-se apenas como sentimento mesquinho, do tipo “se não posso ir a esse churrasco, que chova”.
Esse pecado advém de uma necessidade de nos compararmos com os outros. E ao encontrarmos neles motivos de admiração, sofremos, em vez de simplesmente nos alegrarmos. E aí está a obra do diabo: o invejoso sempre se compara e sofre com o bem dos outros que, para ele, é sempre maior e melhor (um problema de autoestima). A grama do quintal do vizinho é sempre mais verde.
Assim, tudo começa com algo vindo de Deus: a capacidade de admirar e de se admirar. E nunca admiramos o trivial ou mesmo algo bom que tenhamos ou sejamos. Normalmente, só o narcisista admira algo que ele próprio tem ou é. Admira-nos aquilo que não encontramos em nós mesmos, como capacidades artísticas, dons, beleza, inteligência, posses etc. Em especial, quando alguém nos “vence” em algum ponto em que nos consideramos fortes.
É aí que o inimigo semeia a inveja, fazendo com que essa admiração se transforme de alegria em sofrimento, sem muita consciência da razão. Passo seguinte, inconscientemente desejamos “vencer” essa competição. Porém, o inimigo não nos dá força para tal. Sugere-nos, ao contrário, o expediente de Caim. Ou o de Saul; com a língua desempenhando o papel da lança. Ou, se precisarmos de ajuda, que fundemos a fraternidade dos “irmãos de José”.
Sentir inveja é pecado. Porém, tornar-se invejoso é ainda mais grave. Vemos em Provérbios 14.30 que ela nos faz adoecer: “a inveja é a podridão dos ossos”. E isso acontece quando esse pecado se instala em nossa alma. De alguma forma perversa, essa atitude “nos ajuda a viver”, criando em nosso coração mecanismos de autojustificação. E o invejoso passa a achar que “o que fizeram com ele justifica sua reação”. Afinal, todos lhe estão devendo.
Aninhada na placenta do nosso coração, ela agora se multiplica em ninhada. Surgem, por exemplo, o ódio, a ira, o homicídio e uma infinidade de pequenas transgressões (cometidas pelo invejoso covarde), com um só objetivo: humilhar ou destruir o invejado. Vêm, então, a difamação, a calúnia, o desmerecimento, a crítica destrutiva, a palavra amarga e uma indisfarçável alegria com o infortúnio do outro. Do “inimigo”.
Resultado, esse pecado nos lança num mundo de trevas. Já não nos alegramos com o que temos ou somos (a não ser que ninguém mais tenha ou seja -- mas aí já não tem graça); já não somos gratos a Deus pelo que nos deu (como pôde o Senhor abençoar aquela criatura!?); já não somos edificantes, e sim desconstrutores. Passamos boa parte da vida a nos comparar com os outros. E nossa baixa autoestima nos faz “admirar” as coisas boas que encontramos neles -- e isso nos consome! Está ficando pesado? Uma paradinha.
Dois amigos passeavam na calçada quando um deles chutou uma espécie de lata velha. Era uma lâmpada de gênio, que, tendo sido acordado, apareceu e disse: “Estive preso nessa lâmpada por muitos séculos e estou muito cansado. Portanto, vocês têm direito a apenas um pedido. Façam logo, pois não tenho tempo a perder”. Um dos amigos, animado, pediu para ficar rico, e foi logo atendido pelo gênio. O segundo amigo viu aquilo tudo e pediu: “Quero que meu amigo volte ao que ele era antes”.
Outra versão, mais dramática, diz que o gênio impôs uma condição para o pedido único: tudo o que um deles pedisse seria dado também e em dobro para o outro. Aí, o amigo invejoso se adiantou e pediu: “Quero que você me tire um olho”.
Aí está a sabedoria popular a nos ensinar que o invejoso não consegue construir. Bastaria aproveitar a chance única e ser muito feliz. Porém, a felicidade do companheiro torna-se um problema. E ele prefere destruir. Nem que precise sofrer.
Mas nem tudo está perdido. Deus colocou recursos espirituais à nossa disposição para vencermos a inveja. Eis alguns, encontrados na literatura como virtudes antagônicas a esse pecado: amor, gratidão, compaixão, misericórdia e lamento.
Examinando cada uma delas, faço minha opção pelo “amor diligente”. Aquele amor dinâmico, capaz de me transformar, pela busca do poder do Espírito de Deus. Ouça Jesus: “...Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem”. Ouça Paulo: “Abençoai os que vos perseguem, abençoai e não amaldiçoeis”. Ainda Paulo: “...Pelo contrário, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber...”
Se eu examinar meu próprio coração* e me descobrir invejoso e, por isso mesmo, agredido, humilhado e perseguido por gente que, de “tão boa”, se tornou meu algoz -- e quiser mudar --, buscarei o Senhor em meu quarto e lhe pedirei que me ajude a abençoar, a falar bem “pelas costas”, a elogiar esse “inimigo”. E pedirei mais: que Deus me dê oportunidades e meios (emocionais) de lhe “lavar os pés”. Sabemos que, na medida da resposta de Deus, a minha redenção se manifestará na forma de serviços a esse “inimigo”. Serviços que remodelarão meu coração egoísta em abnegado e generoso, capaz de, solidariamente, alegrar-se com os que se alegram e chorar com os que choram. Serviços como aqueles com que meu Mestre serviu. E nessa atitude, “teu Pai, que vê em secreto, te recompensará” (Mt 6.4, 6 e 18).
Assim, mais uma vez, da cruz de Cristo e também da minha; da humilhação, agora voluntária, há de vir a vitória.

* O Ministério da Saúde Espiritual adverte: este texto não deve ser utilizado em diagnósticos de terceiros. Serve apenas para introspecção. Não desaparecendo os sintomas, procure seu pastor.

• Rubem Amorese

Tempo ordinário

Um anjo do Senhor falou a Filipe, dizendo: Dispõe-te e vai para o lado do Sul, no caminho que desce de Jerusalém a Gaza; este se acha deserto. Ele se levantou e foi. Atos 8.26
Viver com Deus em tempos extraordinários não parece ser difícil. O problema é viver em obediência a Deus quando tudo parece ordinário. O difícil é sentir-se no centro da vontade de Deus quando nos vemos rodeados por um cenário comum como o de segunda a sábado.
Filipe viveu o extraordinário em Samaria, como já vimos. No entanto, ele é enviado por Deus para um lugar deserto. Em contraste com Samaria, nada pode parecer mais ordinário do que o caminho deserto para Gaza. Poderia ser realmente este o lugar de Deus para Filipe?
A resposta é sim. Num caminho deserto Deus ainda está com Filipe, num encontro sem milagres ou manifestações Deus ainda está fazendo grandes obras. Na conversão de um só homem Deus se regozija tanto quanto na conversão de uma multidão.
Em nossa jornada espiritual, precisamos resgatar o lugar do ordinário. Em meio ao ordinário, Deus continua falando, operando e nos usando. Precisamos, então, aprender a ver e a ouvir a Deus não só no tempo extraordinário, mas também naquele caracterizado pelo ordinário.
Abramos nossos olhos e sensibilizemos nossos corações para perceber que Deus está também em nosso caminho, mesmo quando seu aspecto é de um deserto, mesmo quando, diante de nós, o cenário é rotineiro.
Retirada de Devocionais Para Todas as Estações (Editora Ultimato, 2009).

Casamento - Vale a pena?

Naquela noite, enquanto minha esposa servia o jantar, eu segurei sua mão e disse: "Tenho algo importante para te dizer". Ela se sentou e jantou sem dizer uma palavra. Pude ver sofrimento em seus olhos.
De repente, eu também fiquei sem palavras. No entanto, eu tinha que dizer a ela o que estava pensando. Eu queria o divórcio. E abordei o assunto calmamente.
Ela não parecia irritada pelas minhas palavras e simplesmente perguntou em voz baixa: "Por quê?"
Eu evitei respondê-la, o que a deixou muito brava. Ela jogou os talheres longe e gritou "você não é homem!" Naquela noite, nós não conversamos mais. Pude ouví-la chorando. Eu sabia que ela queria um motivo para o fim do nosso casamento. Mas eu não tinha uma resposta satisfatória para esta pergunta. O meu coração não pertencia a ela mais e sim a Jane. Eu simplesmente não a amava mais, sentia pena dela.
Me sentindo muito culpado, rascunhei um acordo de divórcio, deixando para ela a casa, nosso carro e 30% das ações da minha empresa.

Ela tomou o papel da minha mão e o rasgou violentamente. A mulher com quem vivi pelos últimos 10 anos se tornou uma estranha para mim. Eu fiquei com dó deste desperdício de tempo e energia mas eu não voltaria atrás do que disse, pois amava a Jane profundamente. Finalmente ela começou a chorar alto na minha frente, o que já era esperado. Eu me senti libertado enquanto ela chorava. A minha obsessão por divórcio nas últimas semanas finalmente se materializava e o fim estava mais perto agora.

No dia seguinte, eu cheguei em casa tarde e a encontrei sentada na mesa escrevendo. Eu não jantei, fui direto para a cama e dormi imediatamente, pois estava cansado depois de ter passado o dia com a Jane.
Quando acordei no meio da noite, ela ainda estava sentada à mesa, escrevendo. Eu a ignorei e voltei a dormir.
Na manhã seguinte, ela me apresentou suas condições: ela não queria nada meu, mas pedia um mês de prazo para conceder o divórcio. Ela pediu que durante os próximos 30 dias a gente tentasse viver juntos de forma mais natural possivel. As suas razões eram simples: o nosso filho faria seus examos no próximo mês e precisava de um ambiente propício para prepar-se bem, sem os problemas de ter que lidar com o rompimento de seus pais.

Isso me pareceu razoável, mas ela acrescentou algo mais. Ela me lembrou do momento em que eu a carreguei para dentro da nossa casa no dia em que nos casamos e me pediu que durante os próximos 30 dias eu a carregasse para fora da casa todas as manhãs. Eu então percebi que ela estava completamente louca mas aceitei sua proposta para não tornar meus próximos dias ainda mais intoleráveis.

Eu contei para a Jane sobre o pedido da minha esposa e ela riu muito e achou a idéia totalmente absurda. "Ela pensa que impondo condições assim vai mudar alguma coisa; melhor ela encarar a situação e aceitar o divórcio" ,disse Jane em tom de gozação.

Minha esposa e eu não tínhamos nenhum contato físico havia muito tempo, então quando eu a carreguei para fora da casa no primeiro dia, foi totalmente estranho. Nosso filho nos aplaudiu dizendo "O papai está carregando a mamãe no colo!" Suas palavras me causaram constrangimento. Do quarto para a sala, da sala para a porta de entrada da casa, eu devo ter caminhado uns 10 metros carregando minha esposa no colo. Ela fechou os olhos e disse baixinho "Não conte para o nosso filho sobre o divórcio" Eu balancei a cabeça mesmo discordando e então a coloquei no chão assim que atravessamos a porta de entrada da casa. Ela foi pegar o ônibus para o trabalho e eu dirigi para o escritório.

No segundo dia, foi mais fácil para nós dois. Ela se apoiou no meu peito, eu senti o cheiro do perfume que ela usava. Eu então percebi que há muito tempo não prestava atenção a essa mulher. Ela certamente tinha envelhecido nestes últimos 10 anos, havia rugas no seu rosto, seu cabelo estava ficando fino e grisalho. O nosso casamento teve muito impacto nela. Por uns segundos, cheguei a pensar no que havia feito para ela estar neste estado.

No quarto dia, quando eu a levantei, senti uma certa intimidade maior com o corpo dela. Esta mulher havia dedicado 10 anos da vida dela a mim.

No quinto dia, a mesma coisa. Eu não disse nada a Jane, mas ficava a cada dia mais fácil carregá-la do nosso quarto à porta da casa. Talvez meus músculos estejam mais firmes com o exercício, pensei.

Certa manhã, ela estava tentando escolher um vestido. Ela experimentou uma série deles mas não conseguia achar um que servisse. Com um suspiro, ela disse "Todos os meus vestidos estão grandes para mim". Eu então percebi que ela realmente havia emagrecido bastante, daí a facilidade em carregá-la nos últimos dias.

A realidade caiu sobre mim com uma ponta de remorso... ela carrega tanta dor e tristeza em seu coração..... Instintivamente, eu estiquei o braço e toquei seus cabelos.

Nosso filho entrou no quarto neste momento e disse "Pai, está na hora de você carregar a mamãe". Para ele, ver seu pai carregando sua mão todas as manhãs tornou-se parte da rotina da casa. Minha esposa abraçou nosso filho e o segurou em seus braços por alguns longos segundos. Eu tive que sair de perto, temendo mudar de idéia agora que estava tão perto do meu objetivo. Em seguida, eu a carreguei em meus braços, do quarto para a sala, da sala para a porta de entrada da casa. Sua mão repousava em meu pescoço. Eu a segurei firme contra o meu corpo. Lembrei-me do dia do nosso casamento.

Mas o seu corpo tão magro me deixou triste. No último dia, quando eu a segurei em meus braços, por algum motivo não conseguia mover minhas pernas. Nosso filho já tinha ido para a escola e eu me vi pronunciando estas palavras: "Eu não percebi o quanto perdemos a nossa intimidade com o tempo".

Eu não consegui dirigir para o trabalho.... fui até o meu novo futuro endereço, saí do carro apressadamente, com medo de mudar de idéia...Subi as escadas e bati na porta do quarto. A Jane abriu a porta e eu disse a ela "Desculpe, Jane. Eu não quero mais me divorciar".

Ela olhou para mim sem acreditar e tocou na minha testa "Você está com febre?" Eu tirei sua mão da minha testa e repeti "Desculpe, Jane. Eu não vou me divorciar. Meu casamento ficou chato porque nós não soubemos valorizar os pequenos detalhes da nossa vida e não por falta de amor. Agora eu percebi que desde o dia em que carreguei minha esposa no dia do nosso casamento para nossa casa, eu devo segurá-la até que a morte nos separe.

A Jane então percebeu que era sério. Me deu um tapa no rosto, bateu a porta na minha cara e pude ouví-la chorando compulsivamente. Eu voltei para o carro e fui trabalhar.

Na loja de flores, no caminho de volta para casa, eu comprei um buquê de rosas para minha esposa. A atendente me perguntou o que eu gostaria de escrever no cartão. Eu sorri e escrevi: "Eu te carregarei em meus braços todas as manhãs até que a morte nos separe".

Naquela noite, quando cheguei em casa, com um buquê de flores na mão e um grande sorriso no rosto, fui direto para o nosso quarto onde encontrei minha esposa deitada na cama - morta.
Minha esposa estava com câncer e vinha se tratando a vários meses, mas eu estava muito ocupado com a Jane para perceber que havia algo errado com ela. Ela sabia que morreria em breve e quis poupar nosso filho dos efeitos de um divórcio - e prolongou a nossa vida juntos proporcionando ao nosso filho a imagem de nós dois juntos toda manhã. Pelo menos aos olhos do meu filho, eu sou um marido carinhoso.

Os pequenos detalhes de nossa vida são o que realmente contam num relacionamento. Não é a mansão, o carro, as propriedades, o dinheiro no banco. Estes bens criam um ambiente propício a felicidade mas não proporcionam mais do que conforto. Portanto, encontre tempo para ser amigo de sua(seu) esposa(o), faça pequenas coisas um para o outro para mantê-los próximos e íntimos. Tenham um casamento real e feliz!

Se você não dividir isso com alguém, nada de ruim vai te acontecer. Mas se escolher enviar para alguém, talvez salve um casamento. Muitos fracassados na vida são pessoas que não perceberam que estavam tão perto do sucesso e preferiram desistir..

UM CASAMENTO CENTRADO EM CRISTO É UM CASAMENTO QUE DURA UMA VIDA TODA.

Extraido do blog: prpaulofabricio.blogspot.com

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Florescendo a todo tempo

Naquele dia, levantou-se grande perseguição contra a igreja em Jerusalém. Entrementes os que foram dispersos iam por toda parte pregando a palavra. Atos 8.1, 4
Há tempos li um livro chamado Floresça Onde Está Plantado. Ele desafia-nos a viver um testemunho contagiante, independentemente do contexto.
Sempre me chamou a atenção a maneira estilumante como a igreja de Jerusalém vivia (At 2.42-47; 4.32-35). No entanto, o cristianismo desses primeiros cristãos mostrou-se ainda mais surpreendente quando, em meio à dispersão, suas vidas continuaram a florescer onde quer que estivessem.
Em meio aos que foram dispersos, encontramos Filipe, o mesmo que, em Atos 6.5, foi designado para servir as mesas. Apesar das circunstâncias desfavoráveis que o levaram a sair de Jerusalém e da impossibilidade de continuar exercendo seu ministério como havia sido designado, Filipe continuou a servir e dedicar-se no novo contexto.
A maioria de nós não se sente muito confortável com mudanças. Mudanças nos levam a zonas de desconforto, onde não temos o controle da situação. No entanto, parece que Filipe, quando levado pelas circunstâncias a um novo contexto, encarou as mudanças como oportunidades e, não, como ameaças. Em meio à perseguição a vida de Filipe floresceu. Ele viveu novas experiências e descobriu novos horizontes para o serviço cristão.
Aceitemos o lugar no qual Deus nos tem colocado ou para o qual nos tem enviado e ocupemo-nos com o desafio de ali florescer.


Retirada de Devocionais Para Todas as Estações (Editora Ultimato, 2009).

Tempo extraordinário

Filipe, descendo à cidade de Samaria, anunciava-lhes a Cristo. As multidões atendiam, unânimes, às coisas que Filipe dizia, ouvindo-as e vendo os sinais que ele operava. Atos 8.5-6
Nossas vidas são caracterizadas por tempos ordinários e tempos extraordinários. Na maior parte da vida, lidamos com o ordinário. Levantamos, trabalhamos, nos divertimos e dormimos. O ordinário é rotineiro, mas não insignificante. Em meio ao ordinário emerge o extraordinário como o aniversário, o casamento ou o nascimento de um filho.
A jornada espiritual não é muito diferente. Nossa relação diária com Deus é envolvida pelo ordinário. Lemos a Palavra, oramos nos dedicando ao Senhor, intercedemos pelos outros e saímos para viver em obediência à fé. Algumas vezes, nosso ordinário é repentinamente envolvido pelo extraordinário. Ouvimos Deus de forma nunca antes acontecida, experimentamos sua presença de maneira maravilhosa, somos usados de forma tremenda.
Samaria representa este tempo extraordinário na vida de Felipe. Em Jerusalém ele dedicava-se ao serviço às viúvas – algo bem rotineiro. Em Samaria sua vida é marcada pelo extraordinário — multidões atendem unânimes, enfermos são curados e demônios lhe obedecem.
Tempos extraordinários são presentes de Deus. Eles não podem ser comprados ou exigidos como pensou Simão, o mágico (At 8 18-20) e não são perpétuos como queria Pedro (Mt 17.1-8).
Ocupemo-nos com a fidelidade no ordinário. Deixemos que Deus nos conceda a graça do extraordinário.

Retirada de Devocionais Para Todas as Estações (Editora Ultimato, 2009).

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Assim como nós perdoamos

A MESMA coisa acontece quando entra em jogo o nosso perdão em relação aos outros, embora em parte seja bem diferente. É a mesma coisa porque, em ambos os casos, perdoar não é o mesmo que desculpar. Muitas pessoas aparentemente acham que é. Elas acham que se você pedir que perdoem alguém que as trapaceou ou ameaçou, na verdade, estarão fazendo de conta que não houve trapaça ou ameaça alguma. Nesse caso, não haveria nada a se perdoar. E continuam argumentando: “Mas você não está entendendo. O homem quebrou uma promessa das mais solenes”. É isso mesmo; é exatamente esse tipo de coisa que você está precisando aprender a perdoar. (Isso não quer dizer que você precisa necessariamente acreditar na próxima promessa dessa pessoa. Significa apenas que você deve empreender todos os esforços possíveis para matar qualquer ressentimento que possa carregar no coração – qualquer desejo de humilhar ou machucar o outro, ou de lhe dar o troco.) Essa é a grande diferença quando você pede o perdão de Deus. No nosso caso, é muito fácil aceitarmos desculpas; no dos outros, não conseguimos aceitá-las com tanta facilidade.

– de The Weight of Glory [Peso de Glória]
Retirado de Um Ano com C. S. Lewis (Editora Ultimato, 2005).

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

O aprendizado como vocação

A EDUCAÇÃO, os talentos e as circunstâncias de uma pessoa são normalmente indicadores aceitáveis da sua vocação. Se os nossos pais nos mandaram estudar em Oxford e o nosso país nos deu a chance de continuar ali, é uma evidência de primeira mão de que, em todos os casos, a vida que melhor podemos orientar para a glória de Deus no momento é aquela voltada ao aprendizado. O que quero dizer com orientar a vida para a glória de Deus não é, de forma alguma, tentar fazer com que as nossas investigações intelectuais redundem em conclusões edificantes. Como diria Bacon, isso seria oferecer ao autor da verdade o sacrifício sujo de uma mentira. Estou falando da busca do conhecimento e da beleza, em um certo sentido, por si mesmos, mas, em outro, em relação a Deus. Há um gosto natural na mente humana por coisas assim e, Deus certamente não cria nenhum gosto em vão. Por isso somos plenamente capazes de buscar o conhecimento e a beleza por nós mesmos, porque agindo assim estaremos avançando na nossa própria visão de Deus ou então ajudando os outros a vislumbrá-la por si mesmos. A humildade, não menos do que o apetite, nos encoraja a nos concentrar no conhecimento ou na beleza pura e simples, sem nos preocupar tanto com a sua relevância última na visão de Deus. Quem sabe essa relevância não seja para nós, mas para pessoas melhores do que nós – aqueles que vêm depois de nós e encontram o significado espiritual daquilo que nós escavamos em obediência cega e humilde à nossa vocação. [...] A vida intelectual não é o único caminho para Deus, nem mesmo o mais seguro, mas nós a vemos como um caminho, e talvez seja o caminho indicado para nós.

– de The Weight of Glory [Peso de Glória]
1953 The Silver Chair [A Cadeira de Prata, quarto volume da série As Crônicas de
Nárnia] é publicado pela Geoffrey Bles, Londres.
Retirado de Um Ano com C. S. Lewis (Editora Ultimato, 2005).

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

As exigências da religião: fazer tudo para a glória de Deus

É POR UMA razão bem diferente que a religião não pode ocupar a totalidade da vida no sentido de excluir todas as nossas atividades naturais. É claro que em certo sentido ela deve ocupar a nossa vida toda. Não há dúvida quanto ao compromisso que há entre as exigências de Deus e as da cultura, ou da política, ou de qualquer outra coisa. A exigência de Deus é infinita e inexorável. Você pode até recusá-la, ou começar a tentar aceitá-la. Não há meio-termo. Entretanto, em vez disso, está claro que o cristianismo não exclui nenhuma das atividades humanas ordinárias. Paulo recomenda às pessoas que continuem nos seus empregos. Ele até assume que os cristãos podem freqüentar festas noturnas; e pior, festas oferecidas por pagãos. Nosso Senhor participou de uma festa de casamento e até providenciou o milagre do vinho. O conhecimento e as artes floresceram sob a égide da sua Igreja, e ao longo da maior parte das eras cristãs. É claro que a solução desse paradoxo é bastante conhecida: “Quer comais, quer bebais ou façais qualquer outra coisa, faça tudo para a glória de Deus.”
Todas as nossas atividades simplesmente naturais – até mesmo a mais humilde de todas –, serão aceitáveis se forem ofertadas a Deus, e todas elas, até a mais nobre, serão pecaminosas se não forem ofertadas a Deus. O cristianismo não apenas substitui a nossa vida natural por uma nova; ele é, antes, uma nova organização que explora esses materiais naturais para os seus próprios fins sobrenaturais.

– de The Weight of Glory [Peso de Glória]
1954 The Horse and His Boy [O Cavalo e o Menino, quinto volume da série As Crônicas de Nárnia] é publicado pela Geoffrey Bles, Londres.
Retirado de Um Ano com C. S. Lewis (Editora Ultimato, 2005).

Há um futuro para o movimento evangélico?

Foi muito comentada a reportagem da revista Época sobre os "Novos Evangélicos"; celebrada por uns, criticada e até mesmo ridicularizada por outros (e não sem razão, diga-se). Agora que o susto passou e o "corpo" foi recolhido, acho que posso arriscar uns palpites sobre a "causa mortis".

Mais de uma vez ouviu-se o óbvio: que o mago da reportagem jogou numa cartola só todas as alternativas às igrejas mais tradicionais (históricas e pentecostais) e às neopentecostais, e tentou tirar dali o coelho da "Nova Reforma". É claro, foi um truque. Deu pra ver que o coelho era de plástico. Sem contar com o fundo falso da cartola da “Época”.

Mas não é que nada de novo esteja acontecendo. Há coisas novas acontecendo sim - especialmente as coisas menos conhecidas ou "anônimas" que aparecem na reportagem, como a Comunidade 242 e a banda de rock Palavrantiga - e há coisas acontecendo que nem aparecem na reportagem. O que não é novo é o que alguém ironizou como os "novos reclamantes", apresentados na reportagem como os "novos reformadores". Tudo estaria errado: parte dos "novos evangélicos" são na verdade os velhos evangélicos, alguns mais tradicionais, outros mais inovadores, reclamando juntos da grande crise evangélica. E os "evangélicos" da reportagem (neopentecostais, principalmente) são essa forma de evangelicismo defectiva e doente que conhecemos; como se fosse uma laranjeira grande, viçosa, folhuda, mas que dá laranjas esquisitas, pequenininhas e azedas. Esse tipo de árvore confunde a gente.

E muita gente atacou a reportagem: "O que é isso, Novos Evangélicos? Isso é a Globo, dividindo o povo de Deus!". Vários "reclamantes", no entanto, botaram lenha na fogueira: "É, a Época misturou um pouco as coisas, mas precisamos mesmo nos separar dessa laranjeira estéril". Sim, não nos esqueçamos dos “reclamantes dos reclamantes”, vociferando contra ambos os grupos. A pergunta de quem observa é a mesma: "Há futuro para o movimento evangélico"?

Sim
Isso é o que dizem apóstolos, bispos e pastores neopentecostais, diversos ministros de megaigrejas baseadas no paradigma moderno de religião, e a massa de crentes comprometidos com a "cultura gospel": está tudo indo muito bem, a vitória será completa, o povo de Deus vai dominar este país e ai de quem se opuser a isso. A rede Globo e os crentes que desafiam os novos apóstolos cairão sob o juízo de Deus e serão amaldiçoados. (Confesso que gosto da parte sobre a Globo).

Não
Assim dizem alguns dos "reclamantes", assim como os "reclamantes dos reclamantes": o movimento evangélico está falido, não há saída, não há esperança. Vamos esperar por algo novo. Não sabemos o que será, mas sabemos que não é o que conhecemos. Precisamos nos livrar da ortodoxia endurecida dos evangélicos mais fundamentalistas (especialmente dos calvinistas do Mackenzie e dos assembleianos doutrinários), assim como do neopentecostalismo, e partir para outra: para um cristianismo honesto, voltado para a cultura, não-dogmático, dialógico etc. E aqui às vezes se mistura de tudo: igrejas tribais e multitribais, emergentes urbanos, movimentos anti-institucionais como as igrejas nas casas, e muita gente do movimento de missão integral.

Talvez
Certo, pode parecer fácil indicar uma terceira via depois das duas caricaturas horrorosas que eu pintei logo acima, mas na verdade é bem difícil. Todo mundo identifica facilmente essas caricaturas. Quanto ao meu palpite, tenho sérias dúvidas. Sou o único que conheço pensando assim (talvez isso não seja um problema; não conheço muita gente mesmo). Enfim, as caricaturas são necessárias às vezes. Perdoem-me. Quero apresentar meu palpite com traços grossos e de forma impressionista.

E aí vai: se houver um futuro para o movimento evangélico, ele estará no Evangelho.
Não quero ser bonitinho, nem santarrão, nem piegas - estou falando sério. Ouço notícias sobre pastores se tornando muçulmanos depois de anos de trabalho; assisto ao evangelho da prosperidade na televisão e a pregadores de jatinho passando como "Evangelho" coisas que desconheço completamente; testemunho líderes e igrejas inteiras ensinando salvação por meio de esforços religiosos; ouço CD's de adoração totalmente baseados na descrição de vivências psicológicas e de promessas de santidade, mas vazios do anúncio da verdade sobre Deus e sobre a Graça; leio trabalhos de teólogos latinoamericanos da missão integral propondo sínteses entre pensamento social humanista e o Evangelho; ouço e leio pastores evangélicos dizendo que não são mais evangélicos e pregando sínteses de libertarianismo humanista e cristianismo; ouço podcasts de pessoas que realmente - realmente - acreditam que Brian McLaren apresenta um caminho viável para o cristianismo na pósmodernidade.

Sim, estou me parecendo com um dos "reclamantes". Talvez eu seja um deles, não sei. Mas sei de uma coisa: a igreja evangélica já não tem muita certeza do que seja o Evangelho.

Muita gente, quando me ouve dizer essas coisas, reage efusivamente: "É isso mesmo, vamos criticar essa malandragem! O problema dos crentes contemporâneos é que eles não tem caráter! E esses pastores, então, manipulando a fé das pessoas? Precisamos denunciá-los na internet. Precisamos de arrependimento, de ensinar o custo do discipulado!".

Com o perdão da expressão, arrisco-me a dizer que o problema é "mais embaixo". Não se trata meramente de uma crise moral, ou de uma crise de caráter, mas de uma crise de fundamentos. O mero fato de alguns cristãos acreditarem que nossa maior necessidade seja uma reforma das instituições, ou uma reforma moral em direção a um comportamento mais coerente, ou uma atitude intelectual crítica e revolucionária, revela que eles fazem parte do problema. Eles nem começaram a entender o que está acontecendo.

O que quero dizer com "Evangelho", então? Ora, refiro-me ao que se entende classicamente como o Evangelho: o anúncio dos atos e da presença salvadora de Deus. O que está acontecendo com a igreja evangélica no Brasil é que o seu conteúdo está se perdendo. As pessoas não sabem quem é Deus; nem porque ele é trino; nem sobre a condição depravada do homem diante de Deus; nem sobre o alcance cósmico da obra de Cristo; nem o que significa viver sob a Graça; nem o que significa ter esperança. Não é que não saibam essas doutrinas, meramente (a verdade é que não sabem mesmo), mas que não sabem as realidades descritas por essas doutrinas. Tenho me encontrado com centenas de cristãos, desde o tempo em que fui professor de teologia, que simplesmente não sabem o que é o Evangelho. O seu relacionamento com Deus é baseado em seus sentimentos, em suas especulações, ou em regras religiosas, ou em esforços de santificação. Eu até já parei de evangelizar católicos. Agora evangelizo crentes.
Acontece que os evangélicos historicamente têm sustentado que não é a nossa boa vontade moral, nem a nossa coerência, nem são as nossas instituições os meios que "canalizam" o poder salvador de Deus, mas o Evangelho, como diz o apóstolo Paulo em Romanos. E por isso eles sempre cultivaram a expectativa de que a solução é ouvir e comunicar claramente o evangelho da Graça e da glória de Deus, ao invés de se fiar em técnicas, novos modelos, ou em inovações teológicas. Essa foi a solução no tempo de Paulo, no tempo de Agostinho, no tempo dos reformadores, no tempo de Wesley, no tempo de Kuyper, no tempo de Schaeffer. Por que agora seria diferente?

Não é que um evangélico não possa aceitar ou promover novidades úteis e enriquecedoras, mas que ser evangélico significa crer e reconhecer a prioridade da ação divina sobre a ação humana, da iniciativa divina sobre a boa vontade humana, da sabedoria divina sobre a engenhosidade humana. Para um evangélico genuíno, a salvação, a igreja e a missão começam com o grandioso fato de que Deus dirige a história, Deus se fez carne e está presente no Espírito Santo; somos servos desse fato que anunciamos como uma boa notícia, e é por isso que temos igrejas, missões, livros, CD's e websites. E é por isso que não vamos nos desesperar diante do fracasso do "movimento evangélico": não estamos aqui por causa dele, mas por causa do Evangelho, e é isso o que nos faz evangélicos.

Infelizmente, no entanto, as opções são poucas. De um lado, um imenso movimento religioso se desprega de suas raízes e perde a referência ao Evangelho. De outro evangélicos e ex-evangélicos em desespero procuram soluções não-evangélicas ou desistem de lutar pela herança evangélica.

Talvez haja um futuro para o movimento; talvez. Mas apenas se ele se simplificar e se alimentar do que tem de mais essencial, e que é precisamente a sua contribuição mais indispensável ao movimento cristão mundial: uma compreensão clara e prática do Evangelho. Para isso, no entanto, será necessário abandonar a arrogância à direita e o desespero à esquerda.

Alguns fatos intrigantes
Para dar mais "carne" ao meu argumento, creio ser importante introduzir o leitor a alguns fatos intrigantes. Em primeiro lugar - e isso não é novidade - a crise do movimento evangélico não é só no Brasil. Seus sinais estão nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Holanda, na África do Sul e em outros países latinoamericanos. Os movimentos anti-institucionais, o pós-evangelicismo e a "igreja emergente" em particular vêm pipocando já há algum tempo, como um testemunho da erosão no evangelicismo.

O maior problema desses movimentos é que sua marca unificadora não se encontra no conteúdo, propriamente, mas na forma e na resposta ao momento histórico. Em termos de conteúdo, oferecem um espectro de opções que vão de reformados a liberais, de evangélicos a pós-evangélicos; mas todos concordam, de um modo ou de outro, que a posmodernidade exige uma transformação da igreja e da missão. Nesse sentido, é problemático falar em "Nova Reforma". O que há é uma fragmentação sem precedentes, espelhando o esfacelamento da mente moderna.

Não por acaso, dois movimentos opostos e muitíssimo significativos se desenrolam simultaneamente aos movimentos "emergentes". O primeiro é o aumento das conversões de evangélicos para o catolicismo. Isso está acontecendo em diversos lugares, mas tornou-se muito visível recentemente nos Estados Unidos. Muita gente sabe que Rich Mullins, um famoso e genial cantor e compositor evangélico americano, morreu pouco antes de oficializar sua passagem para o catolicismo; mas pouca gente sabe que Francis Beckwith, famoso filósofo cristão americano, demitiu-se da Presidência da Evangelical Theological Society em 2007 anunciando publicamente seu retorno à Igreja Católica Romana. O movimento hoje é tão intenso que foi comentado no website "Religion Dispatches" como uma tendência emergente no mundo evangélico.

O outro movimento é a ressurgência do calvinismo em todo o mundo - para o desespero de arminianos, de católicos e de emergentes mais "conversacionais". A revista Time publicou em março de 2009 uma lista das "10 Ideias que Estão Mudando o Mundo Agora", e lá estava, entre elas, o "Novo Calvinismo" (veja a tradução em português do artigo aqui). Além do mais antigo e muito mais intramundano neocalvinismo holandês, há agora os "novos calvinistas", um movimento fortemente teológico e evangelístico que enfatiza de forma explícita a visão reformada da soberania de Deus, do pecado e da Graça, por meio de abordagens evangelísticas e eclesiológicas inovadoras, do que o exemplo mais popular é Mark Driscoll. E isso não é só nos Estados Unidos: no Brasil é fácil encontrar muitos desses calvinistas que nem são presbiterianos; há agora calvinistas batistas, assembleianos, carismáticos e sem denominação emergindo por todos os lados. Exemplo óbvio é o público reunido pela Conferência Fiel no Brasil e em Portugal.

Uma interpretação
Vou me arriscar a interpretar esses fatos. O que ocorre é que o movimento evangélico está fracassando e ao mesmo tempo não está fracassando em manter sua identidade mais fundamental: o anúncio claro e consistente do Evangelho. É a perda do evangelho o que se manifesta no movimento da prosperidade; é a confusão sobre o evangelho que se mostra na diversidade teológica irreconciliável do movimento emergente; é a dúvida sobre o evangelho o que torna plausível, para muitos evangélicos, o retorno à igreja católica; e é exatamente a profunda consciência desse tesouro o que motiva os novos calvinistas (entre outros evangélicos) a tentarem uma restauração do espírito do evangelicismo.

Um exemplo muito interessante dessa última iniciativa, na América do Norte, é "The Gospel Coalition" ("A Coalizão do Evangelho"), uma associação de indivíduos e igrejas comprometidos com a centralidade e a pureza do Evangelho, em oposição franca à recatolicização e ao pós-evangelicismo de alguns emergentes. Entre os participantes encontram-se nomes conhecidos como John Piper, Tim Keller, Don Carson, Mark Dever, Collin Hansen e, é claro, Mark Driscoll.

E não é por acaso que vários integrantes desse movimento sejam calvinistas assumidos. Todos são bem claros em afirmar a herança reformada, mas não por estarem submetidos a certas exigências denominacionais, ou por serem presbiterianos, como o leitor desavisado poderia pensar. Pelo contrário, boa parte desses calvinistas nem mesmo está encaixada em uma denominação reformada. O seu testemunho tem sido muitíssimo prático: que as verdades do senhorio de Cristo sobre todas as coisas, da providência divina, da depravação total e da soberana da Graça têm produzido frutos de arrependimento, de gratidão e de mudança de vida. Há um consistente entusiasmo com a redescoberta do amor de Deus e da prioridade da iniciativa divina sobre a vontade humana. Não por acaso, como observou Collin Hansen num artigo recente, várias dessas novas igrejas, ao mesmo tempo reformadas e contemporâneas, estão florescendo em lugares extremamente secularizados aos quais os outros evangélicos não conseguem mais ministrar, como Seattle, Washington e Manhattan.

Nesse sentido, seria muito justo dizer que esses líderes e igrejas estão se tornando mais evangélicos. E isso precisa nos levar a uma séria reflexão. Nos Estados Unidos o movimento evangélico se desfaz com o evangelho da prosperidade, com o movimento emergente e com as conversões ao catolicismo, mas se refaz, por outro lado, com uma maior unidade em torno do Evangelho; mas será uma casualidade que esse Evangelho redescoberto seja exatamente a visão reformada do Evangelho? Creio que não.

E no Brasil?
Também não creio que isso seja só uma questão do contexto americano - falar nisso em pleno século 21 é besteira. Não apenas porque temos aqui todos os problemas que eles têm lá - evangelho da prosperidade, neopentecostalismo, movimentos emergentes, pós-evangelicalismo -, mas também porque já não faz mais sentido identificar contexto e nacionalidade ou contexto e localidade. Não na era do ciberespaço e da globalização.

Ao que parece, as enxurradas de valores, práticas e mentalidades modernas, e agora pósmodernas, estão castigando violentamente o movimento evangélico e lavando toda a terra solta que for possível. Sinto que a confusão neopentecostal, o retrocesso ao catolicismo e o cinismo emergente e/ou pós-evangélico sejam somente essa terra solta. Talvez até mesmo os que não veem esperança na fé evangélica sejam apenas mais terra solta. Ficará sob a enxurrada o solo firme de espíritos genuinamente evangélicos. Aqueles que desejam fundamentar a espiritualidade, a igreja e a missão na verdade de que Deus é o salvador, e que ele está presente, antes e independentemente de todos os nossos esforços, fracassos e sucessos. E tenho graves suspeitas de que tais espíritos serão, não por acaso, reformados em sua maioria.

Creio que há um futuro para o movimento evangélico, mas falo apenas por mim. Eu não sou evangélico porque o movimento evangélico deu certo. Sou evangélico por causa do Evangelho. E se realmente o leitor pensa que "voltar ao Evangelho" é uma solução pueril, seu problema não é com o movimento evangélico, e sim com o cristianismo. Pois a coisa mais cristã de ser evangélico é acreditar no que o Evangelho diz: que Deus está presente por causa de Cristo, e por isso há esperança.


• Guilherme Vilela Ribeiro de Carvalho, pastor da Igreja Esperança em Belo Horizonte, é obreiro de L’Abri no Brasil e presidente da Associação Kuyper para Estudos Transdisciplinares. É também organizador e autor de Cosmovisão Cristã e Transformação e membro da associação Christians in Science (CiS). guilhermedecarvalho.blogspot.com

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Ser pai

Parabéns Andrew Roger pela chegada de sua filha.

BEM VINDO AO CLUBE!

Ser pai...
Ser pai é deter-se diante do mistério da vida e ousar participar dele. É experimentar com sua esposa esse processo divino de gerar, de fertilizar, de semear. Depois, regar, cuidar, dar atenção e sonhar. É lançar a semente e colher, nove meses depois, o fruto desse amor, fruto inquietantemente aguardado.
Ser pai é aprender o desapego de si mesmo. É aprender a domar o selvagem egoísmo e o “eucentrismo” que urra dentro de nós. É deixar-se doer de amor por aquela pequenina criatura, parte de você, que fragilmente espera por seu cuidado e por sua atenção. É morrer para seus “purismos” mais impuros, para renascer genitor.
Ser pai é aprender que a cumplicidade mãe e filho é algo inestimável e por isso saber colocar-se, principalmente nos primeiros anos do pequenino bebê, no seu devido lugar. Nesse tempo o pai é especialmente protetor e contemplativo da relação intensa entre os dois: o que esteve dentro, no útero, e a que o acolheu, no útero. O pai, nessa época, é alguém como que de fora. Faz parte da relação, mas não partilha das primeiras revelações íntimas pós-uterinas. À medida que os dias avançam, integra-se de maneira igualmente intensa e amorosa na relação filial. Assim, ser pai é saber cuidar sem ser cuidado, descobrir o ritmo do afastar-se e do aproximar-se, isso tudo sem ferir a si mesmo e ao outro, como que tomado pelo desvanecimento da exclusão e da inferioridade. Ser pai é não exigir para si o protagonismo da história da vida.
Ser pai é ver os filhos crescendo ao redor e tê-los como amigos. Todavia, ao mesmo tempo, ser pai é não negar-lhes a bênção do ensino e da orientação, por meio de conversas, beijos, abraços, “varas” e repreensões. Não repreender com dureza e ternura é o mesmo que deixar o filho à solta, à míngua, sem parâmetros que o nortearão para toda a vida. E o pior, sem essa expressão de amor jamais a criança conhecerá profundamente o Deus que é todo amor e todo justiça. O pai que se omite na criação se omite no amor e no cuidado. O dinheiro pouco pode realizar nessa área do relacionamento.
Ser pai é ver o tempo passar velozmente, testemunhar as meninas se tornando moças tão belas, tão rapidamente e trazer consigo aquele sentimento de incompletude: “eu poderia ter feito mais por elas…” Ser pai é ser assim: totalmente felicidade, totalmente dúvida. Ser pai é indagar-se no paraíso.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Novelas fazem mal à saúde -- do casamento

Além das bobagens de sempre, agora as pesquisas apontam uma novidade nas novelas, se é que não sabíamos: onde chega o sinal da Globo, aumenta o número de separações. Não é preciso ser um gênio para perceber como as novelas tratam o casamento, as relações pessoais e, especialmente, os valores cristãos.
A novidade está na pesquisa dirigida pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e sugere uma ligação entre as novelas da Globo e um aumento no número de divórcios no Brasil nas últimas décadas. Publicada pela BBC.com, a pesquisa leva em conta os censos dos anos 70, 80 e 90 e o alcance da TV Globo em todo o país. Para os autores, Alberto Chong e Eliana La Ferrara, “a parcela de mulheres que se separaram ou se divorciaram aumenta significativamente depois que o sinal da Globo se torna disponível”.
Não parece história da carochinha, como é o caso dos dramalhões. Foram analisadas 115 novelas transmitidas pela Globo entre 1965 e 1999. Nelas, 62% das principais personagens femininas não tinham filhos e 26% eram infiéis a seus parceiros.
Não conheço a alma feminina. Mas desconfio que, quando os homens se acham frouxos, pobres ou incompetentes ao assistirem aos “modelos” de virilidade e sucesso da espécie masculina apresentados na tela, as mulheres também se descabelam. Não se sentiriam elas gordas, mal-amadas e incompletas ao verem no “espelho das 8” aquela mistura de “barbie” e mulher-fatal, uma espécie vencedora-sem-estrias e que nunca fica velha? Não há casamento que resista, se esse é o alimento diário.



Marcos Bontempo

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Não vos conformeis com este mundo... Nossas Cosmovisões?

Infelizmente... eis aí algumas coisas que moldam as nossas "convicções" e os nossos "Valores" nestes tempos trabalhosos.







segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Pai nosso...

Pai,
penitente promitente
quero (de)votar-te exclusiva dedicação:
nada tomará teu lugar em meu coração;
nem imagem de escultura,
nem figura ou representação
de qualquer criatura
ou perversa estrutura
receberá minha adoração;
nem qualquer ocupação,
ou sequer preocupação,
terá maior atenção.

Prometo santificar o teu nome
e não usá-lo em futilidade;
prometo buscar a santidade,
a cada dia satisfazer tua vontade,
para que teu reino se realize
e concretize em minha vida.

Prometo honrar minha família,
para vivermos sem quizília1
e desfrutarmos em santa paz
o pão cotidiano que nos dás.

Perdoa as minhas dívidas,
desculpa minhas dúvidas,
aumenta-me a fé e o amor
pra ser clemente ao devedor,
e o meu zelo para fazê-lo
quantas vezes preciso for.

Não me deixes cair em tentação;
protege-me do círculo vicioso
de ouvir a lorota do impiedoso,
deter-me na rota dos pecadores,
e sentar-me à roda com zombadores.

Ensina-me a não prejulgar o próximo,
não proferir fortes palavras de morte,
nem agir como algoz ou juiz.
Ao contrário de arbitrário,
permite-me fazer por ele o máximo
para que tenha vida longa e feliz.

Dá-me o prazer do sexo
conexo a seu contexto devido
para eu não ficar de olho comprido
e lascivo no flerte solerte,
a pretexto da grama mais verde
do outro lado da cerca.

Acerca da grana que engana,
perdoa-me a gana e a ansiedade;
dá-me o necessário suficiente
pra viver com dignidade
e acudir o mais carente;
não demais, para que farto te renegue,
nem de menos, para que sonegue
ou que no furto alguém me pegue.

Perdoa minha omissão:
fiz-me negligente e mudo
ante a exploração dos sem-nada:
cada pobre, órfão, viúva, estrangeiro.
Requeiro, dá-me prontidão
para erguer a voz e me colocar
em defesa dos desprovidos de tudo.
Faze-me, contudo,
moroso pra maldizer e fofocar...

Livra-me de ficar de olho grande
nas pequenas coisas de alguém,
ou cobiçoso das grandes, também.

Não peço redoma ou regalia,
mas a tua companhia,
todavia, em toda via.

Livra-me do mal
de retribuir mal com mal.
Ensina-me a amar,
meus amigos e inimigos,
e a exalar o teu aroma.

No "pleroma"2 de tua luz,
conduz meu caminhar imperfeito,
brilhando cada vez mais
até ser um dia perfeito.

Notas
1. Conflito de interesses; briga, rixa
2. Plenitude
Oséias heckert 

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Uma epopeia abandonada

História

Dividimos a história do protestantismo no Brasil em três períodos: o consenso, o dissenso e o confuso. A Era do Consenso (1855-1960) foi marcada pelas igrejas históricas de missão: congregacionais, presbiterianas, metodistas, batistas e episcopais (anglicanas), únicas no início, hegemônicas depois. Sob restrições de direitos no Império e discriminações e perseguições na República, os pioneiros adentraram o país ao lombo de burro, pregaram o evangelho, distribuíram Bíblias, fundaram igrejas e colégios, iniciando uma saga memorável. Essa epopeia se dá em um consenso evangélico da Reforma, e de movimentos como o puritanismo, o pietismo, os avivamentos e as missões. Movia-se pelo idealismo de uma fé superior, da democracia e do progresso. Une-se no apoio à Escola Bíblica Dominical, e na criação da Confederação Evangélica (1934-1964), quando o espírito do Congresso do Panamá prevalece sobre o Congresso de Edimburgo (1910), afirmando a América Latina como campo missionário. Restrições e dificuldades não impedem o crescimento quantitativo e qualitativo, o treinamento de líderes, a produção de um pensar nacional, a afirmação da ética, quando todos (salvo aspectos secundários) anunciavam a mesma mensagem. A chegada posterior do pentecostalismo não trouxe alterações na hegemonia dos históricos, em virtude do seu, então, isolacionismo. A Igreja Romana ia do regalismo, do ultramontanismo, e do integrismo (triunfalista) ao humanismo integral da Ação Católica. A presença do presidente Kubitschek no centenário do presbiterianismo, em 1959, e o encher do estádio do Maracanã no encerramento do encontro da Aliança Batista Mundial, em 1960, sinalizavam a consolidação do projeto e da presença protestante no Brasil. A Era do Dissenso (1961-1990) viu as igrejas refletirem a Guerra Fria, as divisões entre esquerda e direita, e entre tradicionais, renovados e ecumênicos. A pneumatologia, com o movimento de renovação espiritual, fragmentou as igrejas históricas. O Golpe Militar teve um forte rebatimento no espaço eclesial, aprofundando conflitos, desmobilizando projetos, fomentando a alienação. A Confederação Evangélica -- órgão aglutinador e representativo -- é fechada. O fundamentalismo, antes marginal, cresce. Ao pentecostalismo de línguas se soma o de curas, menos isolacionista. O espírito do Congresso de Lausanne não emplaca. Uma amnésia histórica é promovida, quanto à dimensão social, cultural e política. As ações unificadoras ainda se dão via entidades paraeclesiásticas (ABU, MPC, Vinde, FTL, CBE). Há um lento e doloroso retorno das novas gerações aos espaços públicos: anistia, constituinte, diretas já, campanha presidencial de 1989. O protestantismo amplia a sua presença em termos geográficos e de segmentos sociais. A polêmica sobre a pessoa e a obra do Espírito Santo reflui, com muitos históricos aceitando a contemporaneidade dos dons, e renovados e pentecostais revalorizando a história e a teologia. O pensamento norte-americano mais conservador invadiu nossas livrarias e seminários, atrofiando a reflexão nacional. A presença de líderes mais velhos e de alguns novos, ainda concede uma imagem de seriedade e de dignidade, mas o dissenso vai substituindo o consenso. A Igreja Romana conhecera o Concílio Vaticano II, com um misto de renovação, insegurança e divisões, e ia do aplauso ao Golpe Militar à militância de esquerda com a Teologia da Libertação. A atual Era do Confuso (1991-?) assistiu à rápida expansão das seitas paraprotestantes pseudo(neo)pentecostais, da teologia da prosperidade e da batalha espiritual, do G-12, dos “decretos”, dos “apóstolos” e “bispos”, do “gospel”, do mercado religioso, da falta de ética, e de uma miríade de novidades, redes, métodos e macetes importados e pragmáticos, com o saber moderno substituído pelo sentir pós-moderno, individualista, subjetivista e de resultados, ao lado do sincretismo dos “encostos” e dos “descarregos”. Depois de um quarto de século do fim da Confederação Evangélica, se buscou a criação de um novo órgão aglutinador: a Associação Evangélica Brasileira (AEVB), quando as diferenças tinham se aprofundado e a fragmentação institucional (denominações e “ministérios”) atingido níveis escandalosos. Refletindo o personalismo da época, a AEVB foi montada em torno de um líder carismático e não de uma liderança coletiva. A crise do líder feriu de morte a instituição. Instalou-se, mais ainda, o caos, onde todos falam para alguns. O liberalismo teológico dominou algumas igrejas (IECLB, IEAB), cresceu a presença em outras, com setores do evangelicalismo abjurando de suas origens, e lideranças com suas convicções abaladas e “batendo fofo” diante da agenda GLSTB. Cresceu o misticismo nas massas e o secularismo nas elites. A Igreja Romana reprimiu a Teologia da Libertação e promoveu a Renovação Carismática. O Protestantismo deu lugar a protestantismos e “protestantismos”. A epopeia, inacabada, foi abandonada. Porém, para o remanescente fiel, a saga prossegue!

Robinson Cavalcanti

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

"A história nos têm mudado, mas não sabemos o quanto temos mudado a história"

Há quarenta anos vivíamos o fim de um paradigma: a hegemonia das igrejas históricas no protestantismo no Brasil, e um “destino manifesto” civilizatório (protestantismo = democracia + progresso). O Estado Laico, os colégios inovadores, a ética do trabalho e do abandono dos vícios caminhavam juntos nessa construção, com os nossos intelectuais orgânicos e a ação aglutinadora da Confederação Evangélica. A “derrota dos comunistas”, em março de 1964, fora lida como resultado do Dia Nacional de Jejum e Oração liderado por setores “renovados” em 15 de novembro de 1963, que também abandonaram o seu passado e fizeram as pazes com o autoritarismo, cooptados pelo regime. Mais do que o adesismo de uma minoria de inocentes úteis, áulicos ou oportunistas, a ideologia que vivia a triunfar é a da alienação: “política não é lugar para crente”. A ideologia do “destino manifesto” civilizatório foi esquecida, desconhecida pelas novas gerações. Concentramo-nos em debates sobre o milênio e a tribulação, pois, quando não se atua neste mundo, se pensa no “outro” mundo. A construção de um pensamento evangélico latino-americano foi deixada de lado, pela importação de correntes teóricas e dos setores mais conservadores dos Estados Unidos. O evangelicalismo das missões viu triunfar o fundamentalismo.

Nesse regime militar, nova geração (a maioria de igrejas históricas) retomaria a reflexão e a ação, dentro dos espaços da pastoral estudantil, das agências de serviço, das escolas de pensamento, em ministérios não-denominacionais. A Teologia da Missão Integral foi uma lufada de ar fresco em um contexto estéril, preocupado com a “salvação das almas”. Desse espaço sairiam os criadores de movimentos apontando para a responsabilidade social e política dos cristãos, em campanhas como “Evangélicos pela Constituinte”, “Diretas Já”, eleições presidenciais de 1989, “Fora Collor”, e na proposta do MEP; do setor pentecostal -- que não tinha passado de engajamento -- se desenvolveu a noção de “candidaturas oficiais”, sob o lema “Irmão vota em irmão!”. Retornamos à ordem constitucional, as eleições se tornaram uma rotina, a imprensa e a cátedra são livres, bem como a sociedade civil. As regiões continuam desiguais; não foi fechado o fosso que separa os privilegiados dos apenas incluídos, dos marginalizados e excluídos.

A hegemonia pentecostal/renovada foi breve, atropelada pelo “neo-pós-isso-pseudo-pentecostalismo”, com a teologia da prosperidade, individualista, com os “filhos do Rei” confundindo consumismo com bênçãos. Pode-se falar em um crescimento quantitativo (e com sinais de mobilidade social ascendente) sem correspondência com a dimensão qualitativa, inclusive no espaço público. O “crescimento” não implicou a formação de cidadãos mais éticos e responsáveis, nem a redução dos males nacionais.

Para o evangélico médio, política é sinônimo de partidos e eleições. Daí o “avivamento” cíclico da profusão de candidaturas, desde as “oficiais” às resultantes de “profecias”, de níveis aquém do desejado e de resultados eleitorais cada vez mais escassos. Se o crente comum não recebe ensino sobre como fazer diferença na vida em sociedade, aqueles que ocupam posições nos poderes do Estado são, em geral, carentes de uma proposta diferenciadora ou de uma ética superior. Com a crise das ideologias e a ausência de nitidez dos partidos políticos, os evangélicos, quando se filiam, o fazem já especialmente naqueles menos nítidos, pois sua atuação é individualista e corporativa (em defesa do bem particular das igrejas, e não do bem comum da sociedade). Permanece a ausência de estudos bíblicos sobre ética social, história do pensamento cristão ou história política da igreja. Não havendo o conhecimento acumulado necessário para a reflexão sobre a conjuntura atual, além da não utilização das ferramentas das Ciências Humanas, a ação social (quando ocorre) raramente ultrapassa a dimensão do assistencialismo, ou da instrumentação para o “crescimento da Igreja”, sem relação com um conceito mais amplo de missão ou com uma noção mais bíblica do Reino de Deus. Como segmento expressivo, em disputa de hegemonia entre pentecostalismo/renovacionismo e o neo/pós/isso/pseudo-pentecostalismo, há de se reconhecer que o abandono dos vícios, a ética do trabalho, a valorização da família e o associativismo eclesiástico têm devolvido dignidade e qualidade de vida a milhares de brasileiros. O legalismo-moralismo da santidade passiva, a eclesiologia-gueto e a ausência de uma docência de um discipulado encarnado, não têm levado renascidos a ser o sal e a luz. A História nos tem mudado, mas não sabemos quanto temos mudado a História. A pauta para nosso testemunho cidadão, não decorre apenas da nossa História, da nossa cultura, e da nossa conjuntura, mas de um mundo exterior globalizado, onde não somente o Islã e o esotérico, mas o secularismo militante nos ameaça de fora, enquanto o liberalismo teológico vai abrindo as portas para os mesmos do lado de dentro.

Como reagiremos a esses novos desafios?

Robinson Cavalcanti