terça-feira, 6 de julho de 2010

A lei e a completude de Cristo

Mesmo depois da minha conversão, tive dificuldade de entender a questão da guarda da lei, principalmente em relação ao sábado.

Isso se deveu a duas razões principais: primeiro porque nos anos que antecederam minha decisão de seguir a Cristo, mergulhei profundamente em estudos bíblicos e outros escritos sabatistas que enfatizavam essa doutrina com um ardor impressionante, já que a guarda do sétimo dia pontifica entre eles como o leitmotiv da existência da própria denominação.

Fale mal da Bíblia e até de Jesus com alguns deles e talvez nem se ofendam tanto, mas fale mal do sábado...

Segundo, porque muitos dos que mentorearam a minha nova vida infelizmente usaram a mesma forma de doutrinação dos sabatistas, a qual, humildemente, reputo de equivocada.

Assim foi que, ao receber uma dupla de pastores batistas em minha casa, puxei o assunto e desfechei meu ataque, disparando todos os versículos que conhecia sobre a guarda do sábado, a começar, é claro, pelo quarto mandamento. Eu vociferava: “Está na Lei e a lei de Deus é imutável!” Meus pobres irmãos penaram pra botar um pouco de graça no meu coração.

Por que aqueles homens não obtiveram o êxito desejado com seus argumentos? Por uma razão muito simples: enquanto os sabatistas enfatizavam o sábado, os pastores que recebi, ingenuamente, enfatizavam o... domingo! Ora, na minha modesta opinião, isso é trocar uma lei por outra. E com uma desvantagem: sem um único versículo bíblico que abone explicitamente a guarda do domingo.

O tempo passou e, embora eu não confessasse publicamente minha dúvida, de vez em quando lá estava o terrível aguilhão da lei a acicatar a minha cabeça. Não é por acaso que Paulo usa a expressão “maldição da lei”. Era exatamente isso.

Talvez você tenha passado ou ainda passe pelo mesmo problema que enfrentei. Em caso afirmativo, saiba que Deus é maravilhoso e a sua Graça, inescapável, insopitável. Há esperança para os ex-legalistas como eu.

Para mim, toda interpretação da Bíblia precisa passar pelo crivo de uma pessoa: Jesus Cristo. Em outras palavras, começa-se tudo com Cristo, Ele é a chave para a interpretação de toda a Escritura. Depois é que vêm as cartas, o Velho Testamento, etc. Em primeiro lugar, o que Jesus pensava, o que ensinava e, principalmente, o que fazia, como agia; depois as demais coisas.

Comecei então a meditar e analisar o aparente conflito entre lei e graça, entre lei e Cristo. Paulo diz que a lei é santa, justa e boa, mas o homem, por causa da queda e da consequente inclinação para o pecado, não pode cumpri-la integralmente, por mais que se esforce.

Certas questões não fechavam. E a principal que me atormentava era esta: como um Jesus que dizia que não tinha vindo ab-rogar (revogar, anular a lei) desobedecia a ela, permitindo que os seus discípulos colhessem espigas no dia de sábado? Isso sem falar no fato de Ele mesmo curar no sábado, o que, segundo os doutores da lei, “não era lícito fazer”. Os sabatistas diriam que “é lícito fazer o bem no sábado”. A resposta é boa, já que foi o próprio Cristo quem a deu, mas não é só isso. Lei é lei, transgressão é transgressão. A sua força é tão peremptória para os judeus que, estranhamente, para cumprir a lei da circuncisão, eles acabavam quebrando a do sábado. Difícil de entender, não é?...

A névoa começou a se dissipar com a aparente contradição de uma palavra: cumprir. “Vim para cumprir”, disse Jesus. Cumprir, cumprir, cumprir... Como Jesus estava cumprindo, se estava desobedecendo??? Contradição, contradição, contradição. Comecei a meditar e descobri o segredo. Ele está na palavra cumprir, é isso! Como não sou teólogo nem exegeta, não recorri ao texto grego para tirar a dúvida. Se fosse, encontraria a palavra plerosai (=cumprir, encher). Mas Deus me levou a um livro simples e maravilhoso a que recorro desde a mais tenra infância: o dicionário. Bendito dicionário!

Deus também fala por meio do dicionário. Geralmente se pensa na palavra cumprir apenas com o sentido de observar, realizar, executar o que se prometeu. O que muitos não sabem ou esquecem é que cumprir também significa completar, encher. Tem origem na raiz latina plen-, que também forma palavras como pleno e completo, entre outras.

“Então é isso!” - exclamei. Caiu o véu!

A lei nos foi dada como aio (do grego paidagogos, o que acompanhava os filhos dos nobres à escola) para nos conduzir a Cristo (o fim dela) e servia, como ainda serve, para mostrar a nossa condição de pecadores, confrontar-nos com a santidade, a perfeição de Deus. Como “não há um justo sequer”, como bem disse Paulo, ninguém pode cumpri-la (aqui no sentido de satisfazer às suas regras) integralmente. Só Jesus pôde.

Pode ficar triste, mas não se desespere. Nem Moisés, que a entregou ao povo hebreu; nem Josué, nem Samuel, nem Davi, nem os profetas, nem João, o batizador; nem Maria, que deu à luz o próprio Jesus, homem; nem Pedro, nem Paulo, nem Tiago, nem João ou qualquer outro ser gerado pela união de óvulo e espermatozóide foram capazes de cumprir a lei. Só Jesus, gerado pela ação direta do Espírito Santo, não pecou, portanto cumpriu (satisfez) integralmente a lei.

O que é mais importante, entretanto, é que Ele a cumpriu também no sentido de completar. Mas o que significa isso na prática?

Temos a mania de achar que as regras da lei do Antigo Testamento eram mais rígidas que as da lei de Cristo. Alguns até dizem que o Deus do VT era duro, inflexível, castigador. O Deus Jesus, não. Dá até a impressão de que Jesus, enquanto vivia corporalmente aqui na terra, passava a mão na cabeça dos pecadores, que era um Deus “bonzinho”, que o mandamento do amor é algo romântico, melífluo, parecido com o ponto facultativo de um calendário.

Definitivamente não. No sermão do monte, Jesus revela uma fina, uma sutil rigidez nessas regras de amor. Não é necessário matar para cometer pecado, basta se irar contra o seu próximo ou chamá-lo de tolo; não é necessário adulterar para pecar, basta olhar para uma pessoa com intenção impura. O pecado se desloca da ação para a intenção. Pergunto então: qual é a lei mais dura, mais severa? Estabelecendo essas novas regras, Jesus está desobedecendo à lei ou cumprindo-a, completando-a?

Tudo isso nos leva a outra pergunta: onde entra o sábado nessa questão? Vou responder com esta: Examine os evangelhos. Você vê Jesus matando alguém? Você vê Jesus adulterando? Você vê Jesus roubando? Você o vê desonrando pai e mãe? Lembre-se de que isso não aconteceu nem quando Ele se afastou dos pais e ficou debatendo com os doutores, não é verdade? Mas você o vê transgredindo a lei do sábado, não é? Eu diria mais: diversas, inúmeras vezes! Qualquer pessoa com um mínimo de QI espiritual só pode chegar a esta conclusão: ou Ele transgrediu a lei e, portanto, é pecador, o que o colocaria como qualquer um de nós; ou Ele, o Senhor do sábado e de todos os dias e tempos, na verdade, não estava transgredindo lei alguma, já que isso contradiria a si mesmo, que é Deus e estabeleceu a lei. Um Deus que se contradiz...Isso seria um absurdo, uma blasfêmia!

Entra, portanto, aqui, o conceito de completude de Cristo. O que Jesus fez com todos os mandamentos foi completá-los, aperfeiçoá-los, convergindo e convertendo para a Sua bendita pessoa tudo aquilo que era sombra no VT em realidade visível, tangível e factível. Se tudo o que Ele ensinou, pensou e fez era perfeito, então nós podemos e devemos imitá-Lo também. Para a lei, um dia especial de guarda – a sombra, a imagem fosca e tosca de um espelho; para a Graça, todos os dias santos, até porque um só revelaria a pobreza da nossa adoração, a mesquinhez da nossa devoção, a fatuidade da nossa entrega de vida.

Consolidei, assim, com essa reflexão, a convicção espiritual de que não se pode construir nem a vida nem a igreja de Cristo sobre o frágil alicerce de um dia – seja ele sábado ou domingo - mas unicamente sobre o fundamento de Sua pessoa, não só no que tange ao que pensava, mas principalmente sobre a prática que Ele deixou como exemplo. Mais que isso, libertei-me do fardo que me atormentou por longos e terríveis anos!

Apenas um cristão que, pela graça de Deus, procura viver os valores do Seu Reino.

Neemias Felix

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